Alcalina
A minha primeira música chamava-se assim. "Compúzia", como diria o Carlos Paião ("Meia-dúzia"), já lá vão uns anos. Talvez dez anos, lembro-me que a "compus", se é que o termo "compor" se pode aplicar, por alturas do suicídio de Kurt Cobain. Só não me recordo se foi o trágico acontecimento que influenciou a minha lírica ou se foi o contrário... Para quem achar que estou a exagerar, fiquem sabendo que os Lunatic Alligator Club Band - a minha banda da época - tinha muita audiência em Seattle e arredores, Olympia e Aberdeen incluídas. A "Alcalina" foi uma música - disto eu recordo-me - que nasceu de um poema que um amigo meu tinha escrito. O J. (não revelarei o seu verdadeiro nome) andava a ler Álvaro de Campos e o frenesim das máquinas febris deste heterónimo pessoano possuíam-no. Isto é, ele tinha febre e escrevia. Daí talvez possa explicar-se a densidade da sua lírica e a mensagem global do poema. Era um poema longo, pelo que publicarei aqui apenas algumas estrofes. Julgo que o J. não irá levar a mal. Suspeito até que ele nem tem internet, portanto, não haverá problema. Quanto à letra da música, penso que não vale a pena reproduzi-la. Posso apenas adiantar que, ao nível da poesia, ficava muito aquém da obra do J.
"A Pilha Efervescente (por J., amigo do Guitarrista)
Não és monte mas és pilha
e acumulas
um universo crescente
no teu corpo metálico
redondo
oblongo
contrafeito em Taiwan ou nos arredores de Guimarães
(...)
em teu silêncio de sepulcro
nunca dizes nada
mas dizes sempre Tudor
(...)
se explodisses serias ruidosa
como um balão
quando rebenta
kabooom kaboooom kaboooom
explodirias em três fases
e serias trifásica
como uma tomada
(...)
és independente
não tens disjuntor
e assim não te disjuntas
pois claro! Injustiça do criador
Oh! malogrado objecto!
Oh! fantástico unificador de electrões descomunais
que me arrancam o sono
e as vértebras ao pensamento
a-uuuuu a-uuuuu a-uuuuuu
e o pensamento flecte, alonga, insiste
e eu desisto
a-uuuuu a-uuuuuu a-uuuuuu
sou um lunático incandescente
como uma piranha eléctrica e herbívora
e dou à luz
efervescente
uma pilha de nervos!
a-uuuuu a-uuuuuu a-uuuuuu
(...)
fui ver
era o stress"
Gostaria apenas de acrescentar que o J. tinha apenas 16 anos quando escreveu este poema. É obra!