Querida Guitarra
segunda-feira, maio 31, 2004
  Concerto em Amesterdão
O público, ainda agitado, dizia coisas que, na amálgama sonora, pareciam não ter nexo. O feedback distendia-se, sala fora, cabeças dentro... uuuuiiiieeeeionwennnnnn... iiihhhhwwweeeuohhnnnnnnn... Cobain, indiferente à multidão tentava recuperar o Mi, depois de um drop-D desastroso para tocar o On a Plain... não desligava a distorção e o feedback desmultiplicava-se, tudo exactamente na medida do crescendo da ansiedade do público.... uuuuiiiieeeeionwennnnnn...iiihhhhwwweeeuohhnnnnnnn... a mole humana desgastava o oxigénio, cada vez mais raro, e Cobain não queria saber... uuuuiiiieeeeionwennnnnn... iiihhhhwwweeeuohhnnnnnnn... Novoselic chega-se ao microfone, quase um palmo abaixo do seu metro e noventa e tal "Hey, mothafuckas, say hooooooo-o..." e o povo "hoooooo-o" e ele "say hooooooo-o" e a gente "hooooooo-o" e o feedback da Jaguar do Cobain, ininterrupta e omnipotente uuuuiiiieeeeionwennnnnn... iiihhhhwwweeeuohhnnnnnnn... Novoselica calou-se, disse qualquer coisa a Kurt... Dave Grohl, mascando pastilha, rodando as baquetas entre os dedos, parece divertir-se com toda a situação... Cobain encolhe os ombros, ignora Novoselic... wwoooohhiiiiiiiiiim. É esta. A guitarra fez Mi. Há um baque de silêncio, coisa de microssegundos, abate-se sobre nós como uma premonição, toda a gente estagna, Kurt pisa o pedal, desliga a distorção, arranca

"One baby to another said
I'm lucky to met you

tarararan

I don't care what you think
Unless it is about me

tarararan (rouquíssima, esta guitarra era tão rouca que se tornava comovente)

It is now my duty to
Completely drain you

tarararan

I'll travel through a tube
And end up in your infection

(em dueto com Grohl, que arremessa as baquetas com frenesim contra os tímbalos e pratos)

Chew your meat for you
Pass it back and forth
In our passionate kiss
From my mouth to yours
Cause I like you

(break estático na tarola de Grohl e regressam ao verso)

With eyes so dilated
I've become your pupil

tarararan

You've taught me everything
Without a poison apple

tarararan

The water is so yellow
I'm a healthy student

tarararan

Indebted and so grateful
Vacuum out the fluids

Chew your meat for you
Pass it back and forth
In our passionate kiss
From my mouth to yours
sloppy lips to lips
your my vitamin
Cause I like you

tutututututututututu twemp... ttttttttt twemp.... e embarcam numa deriva alienada, perdida, dir-se-ia. Mas não, eles sabem para onde vão: buscam o ultimate feedback, como se quisessm voar numa nuvem de pó e de catástrofes. tum tum tum tum tum tum tum tum wwwooooiieeiinngghhhh.... uns rifes absolutamente ininteligíveis e, muito menos, irreprodutíveis, mesmo com onomatopeias vanguardistas... o povo vai delirando, em silêncio, aos gritos, rindo, sentindo, balançando, pela música, pelas ganzas, pelo álcool, o som diverge, a melodia é rarefeita, há uma batida ao fundo, forte, enérgica, ritmada como um pace-maker olímpico... tum tum tum tum tum tum tum tum wwwooooiieeiinngghhhh.... adivinha-se uma reentrada, um regresso à música... há quem suba ao palco para o stage-diving... é arriscado, os seguranças são grandes, porque são seguranças e também porque são holandeses - os holandeses são o povo com maior altura média da Europa... subo ao palco... vou tentar o stage-dive... não, hesito, o Cobain, de costas para mim, arrancando notas irreais das entranhas do JCM-900... tudo vibra, até a minha consciência... tum tum tum tum tum tum tum tum wwwooooiieeiinngghhhh.... antes do mergulho, passo pelo tripé cobainiano, tiro o micro e salto, simplesmente salto... bato nas grades, mas consigo escapar aos seguranças incrédulos... nem sei como, mas desliguei o microfone.... gera-se confusão.... tum tum tum tum tum tum tum tum wwwooooiieeiinngghhhh.... Cobain reclama, Novoselic, estarrecido, busca algo com os olhos no meio da multidão... tum tum tum tum tum tum tum tum wwwooooiieeiinngghhhh.... Grohl continua marcando a música, um roadie repõe o material... tum tum tum tum tum tum tum tum wwwooooiieeiinngghhhh.... ninguém percebe muito bem o que se passa, escondo o micro nos boxers... depois, mudo ideias, tavez fosse pouco discreto... tum tum tum tum tum tum tum tum wwwooooiieeiinngghhhh.... trwen trwon trwan trwum... teruuu, treuuu, terurururriiiiiiiriiiiii... entra tudo outra vez...

One baby to another said
I'm lucky to met you

tarararan

I don't care what you think
Unless it is about me

tarararan

It is now my duty to
Completely drain you

tarararan

I'll travel through a tube
And end up in your infection

Chew your meat for you
Pass it back and forth
In our passionate kiss
From my mouth to yours
sloppy lips to lips
your my vitamin
Cause I.... like..... youuuuuuu.... "

(Cobain): I hope you can, at least, sing... shit-head!

 
  Melhor diálogo do fim-de-semana
Entrei na loja de discos. Há duas, lá em ******. Esta chama-se "Bazar do Som". Após uma primeira revista às prateleiras, o nome do estabelecimento ganha um sentido completamente renovado.

Torna-se insuportável vasculhar no meio de estantes caleidoscópicas: A - Abba... brrrrrr... seis álbuns, passo para o B; B - Beyoncé, Bruce Spingsteen... blá blá blá (sonzinho das caixas a baterem umas nas outras, num ritmo frenético de quem quer chegar a algum sítio muito depressa)... Ben Harper, ena!... Blondie, Ban... Ban?! fo**-**!... João Braga... João Braga?!... Chamo o gerente.

(Gerente... hrum, único empregado do Bazar...): Ora, diga, boas tardes...
(Eu):... boas tardes?!...

(pausa)

(Eu, rindo um bocadinho): Desculpe, era uma auto-piada...
(Gerente... faz um ar interrogativo):...?
(Eu, retomando a postura): Bom, a verdade é que estou um pouco confuso.
(Gerente): Hum.
(Eu): ... bom, errr... para ser sincero, não consigo compreender muito bem a organização das vossas estantes...
(Gerente): Hum, hum?
(Eu): ... de música.
(Gerente): Pois.

(Pausa)

(Eu): Não me pode ajudar?
(Gerente): Claro. É uma coisa para oferecer a alguém?
(Eu...): Como?
(Gerente): Um presente, uma oferta. Alguém faz anos? Assim, digamos, uma coisa... se é para uma senhora, é diferente. Mas, se é para um amigo, já não é igual. E se for p'rá malta jovem, já é mais fácil. Isto, eles "curtem bué" - é assim que eles dizem, agora, não é? - qualquer coisa que meta "pum-ktabum-pupum" ou um gajo de cabelos grandes aos berros...

(Pausa)

(Eu): Olhe, deixe lá. Eu só estava à procura de qualquer coisa para mim. Alguma coisa que eu não conhecesse, que me surpreendesse.
(Gerente): Sou capaz de ter. (Vai ao balcão) Tenho aqui isto. (Dá-me o disco)

(Pausa longa. O mundo pára. Apenas eu, o disco, o surreal e o Gerente, de corpo presente, começando a suar)

(Eu): Genesis?!...
 
quarta-feira, maio 26, 2004
  Eu fui!
Vários fãs se têm questionado acerca desta minha ausência. Descansai, meu povo, é apenas temporário. Mas a história não começa aqui...

Há muitos, muitos anos, ainda eu tinha menos de um metro e meio, houve alguém que me influenciou sobremaneira em relação ao meu futuro que é hoje, actualizando a cronologia, o meu presente e até mesmo, em certas etapas que já ultrapassei, o meu passado. Falo do meu padrinho, devoto incondicional dos Led Zeppelin. Usava o cabelo encaracolado comprido (com franja, claro) até ao dia em que se apresentou na Carregueira para fazer a recruta. Foi pela sua mão que dei os primeiros passos neste universo que é o mundo da música. Foi com ele que ouvi pela primeira vez aquela linha imortal do baixo de Money, dos Pink Floyd, ou que apreciei o lado negativo da música popular contemporânea, começando num Bruce Springsteen e acabando num Brian Adams, passando por tantos outros que não lembram nem ao menino Jesus.

O meu padrinho, que se chamava Paulo, morreu, entretanto. E foi sobre a sua campa que eu jurei: Paulo, meu... juro-te que ainda hei-de subir ao palco do Rock in Rio.

A vida, já se sabe, dá voltas que nunca mais acaba. Bom, para ele acabou, mas... não interessa. No meio destas voltas da vida, eis que dou por mim a cumprir a minha promessa: esta semana não tenho feito outra coisa se não subir ao palco do Rock in Rio. Eu fui! Desde andaimes a roldanas, cordas, esticadores, manivelas, correntes, holofotes, munição sonora, colunas, hoofers, subhoofers (por aí fora, até ao fim da família), um pouco de tudo me tem passado pelas mãos. E pelas costas.

Para todos quantos me criticaram quando optei por fazer parte do mundo da música: esta foi a decisão acertada. O trabalho de roadie é duro, mas ganho 125 euros ao dia. Em que escritório é que se ganha assim?

Bom, agora tenho que ir. Começaram a chegar os primeiros camiões do Paul McCartney...
 
sexta-feira, maio 21, 2004
  Tentativa poética nº 3
Tríptico - 3º painel

sem sombra
sem corpo
apontou dedos, armas, ambições
desenhou um oceano sem sentido
e caminhou pelo areal inexistente
quando chegou
caiu sem finitude
e sem regresso
queimou as cartas, os pensamentos
os cabelos e a respiração
ergueu docemente o rosto sério
e olhou em redor:
nem uma pegada
nem um rasto de vento

 
  Tentativa poética nº2
Tríptico - 2º painel

saiu da vida
sem sair de casa
e orgulhou os pais
a tribo que contemplou sem palavras
o consumo da maldição
terminou as carícias gemendo
torcendo o rosto
apalpando o que restava
no final do festim
e alimentou o ego
com a fome entrincheirada
o vazio
 
  Tentativa poética nº 1
Tríptico - 1º painel

e eu vi que ela era
corpo
o desejo amachucado
no topo desse mundo carnudo
a pele sentimental do outono
carregado de sons
untado pela noite
a invocação dos deuses mais distantes
um grito sem pranto
um gesto descolorido
mas firme
amargo
os dedos que quase tocavam o monstro
sublime
o esqueleto do planeta inteiro
a naufragar
 
quinta-feira, maio 20, 2004
  Várias coisas num só post
Muitas são as pessoas que têm vindo a interrogar-me acerca desta nobre arte de pisar os palcos, de encantar (pequenas) multidões, de fazer com que os outros sintam só porque lhes atiramos, impiedosos, sequências de acordes de assinalável poder e habilidosa melodia. No fundo, e tentarei responder a todas as questões de uma assentada, sinto-me uma máquina de produzir sentimentos e sensações. É reconfortante saber que no fundo de um ouvinte existe um eco do que canto e do que toco. É agradável saber que as minhas palavras reverberam pelas concavidades acústicas das vossas cabeças e, assim, interferem com a vossa forma de pensar - ora porque se vos atravessam à frente de uma ideia, ora porque a empurram.

Por outro lado, existem aqueles (e aquelas...) que sentem curiosidade acerca da minha relação com o público feminino. Tentando ser sintético, diria que tenho uma relação exagerada. E digo isto por uma razão muito simples: estou seguro, tenho a certeza até, de que haverá, por esse mundo fora, várias dezenas, talvez mesmo centenas, de homens mais atraentes que eu.

Agora, provavelmente estarão curiosos acerca destes pensamentos que hoje partilho convosco. Descansem, não se trata de um mero exercício narcísico. Não descurando, ainda assim, o lado narcisista da questão, todo este discurso surge em jeito de antecipação de uma grande e exaustiva entrevista a publicar brevemente e na qual estas e outras questões serão devidamente aprofundadas. Curiosos? Para já, é tudo quanto posso adiantar.

Só para terminar, e apenas porque esta semana ainda não falei de futebol, gostaria de deixar-voss com aquelas que foram, na minha perspectiva, as frases mais sábias do ano futebolístico nacional.

"Mais uma vez ficou provado que somos a melhor equipa portuguesa"

Dias da Cunha, presidente do SCP, 3º classificado da SuperLiga


"Vamos todos a Oeiras porque Oeiras é o melhor sítio do mundo para, uma vez mais, mostrarmos que somos a melhor equipa da Europa"

Pinto da Costa, presidente do FCP, finalista vencido da Taça de Portugal


"Que bonita é a Avenida dos Aliados [no Porto] pintada de vermelho"

Leonor Pinhão, associada do SLB, clube encarnado sediado em Lisboa

 
quarta-feira, maio 19, 2004
  Melhor diálogo do fim-de-semana
(este foi difícil de escolher, entre tanta pérola deixada, nomeadamente, na Avenida da Liberdade...)

Sábado, como todos os sábados da minha vida normal, foi dia de audições. Como eu andava à procura de uma voz feminina, decidi receber no meu estúdio caseiro uma candidata. Chamava-se Joana. O nome era engraçado e a miúda também não era feia.

Possuía uma voz suave, com uma rouquidão ligeiríssima, daquelas que fazem arrepiar quando o sussurro é sincero. Fiquei surpreendido com a sua interpretação de "O Anzol", dos Rádio Macau, comigo a fazer aqueles quatro acordes básicos mas deliciosos no violão - tão deliciosos que até os The Cure os reciclaram, numa colagem sem vergonha... mas, enfim, isso já é outra história.

Mais surpreendido fiquei quando, sem que eu tocasse nada, começou a cantar baixinho o "I Would Die For You", dos Garbage, numa interpretação que variou entre a delícia embalada e a rispidez de uma adolescente revoltada/magoada no refrão. Contudo, após algum tempo de música e conversa, a manhã terminava e impunha-se a oferta de um almoço à concorrente. Para acompanhar o hamburger no prato e as batatas fritas decidi preparar uma salada vegetariana à portuguesa. Eis o que se seguiu...

(Eu): Está boa?
(Joana, brincando com a comida): Eu?
(Eu): Não... a comida. Se está boa?
(Joana): Não sei. Ainda não provei...
(Eu): Hummm... Não gostas de hamburger?
(Joana): Sim.

(Parei para pensar)

(Eu): Sim o quê? Sim... não gostas ou sim gostas?
(Joana): Gosto.
(Eu): Então, come. Faz crescer.

(Joana sorriu e continuou a brincar com a salada)

(Eu): Vá lá, a sério... se não gostas, eu faço outra coisa.
(Joana): Não é preciso. Só não gosto de salsa.

(Eu, primeiro intrigado, depois contendo a indignação...): Mas... hrum... Joana, isso não é salsa. Isso são coentros.
(Joana, indiferente, desprezando a minha salada, os ingredientes. Desprezando, no fundo, toda uma cultura gastronómica): Ah... pois.

(Pausa)

(Joana): Não gosto de coentros.
(Eu, sorrindo): Ah ah ah... Estás a brincar?...
(Joana, indiferente, flutuando etérea no seu mundinho de ignorância de palato): Não.
(Eu... nervoso): Mas... mas... hum... mas, tu disseste que não gostavas de salsa...
(Joana): Sim.
(Eu... mais nervoso - aquele "sim" é a coisa mais ambígua que alguém pode ouvir): E agora... mas... então e... mas isto é coentros.
(Joana): São coentros.
(Eu, muito nervoso): O quê?
(Joana, calma, personificando a serenidade de Siddartha): São coentros. Tu disseste "é coentros". A forma verbal - terceira pessoa do singular do presente do indicativo - não está em concordância com o complemento directo, que se apresenta no plural.
(Eu): ... hã?...
(Joana): Também não gosto de coentros.
(Eu): ... mas...
(Joana, tomando uma posição): Coentros, salsa... é tudo verdura.

(Parei. Não, estagnei mesmo. Joana continuou, indiferente à minha apoplexia, separando os coentros da alface. Já tinha um montinho na berma do prato.)

(Eu, retomando os sentidos, levantando-me, dirigindo-me à porta de casa): Sai!
 
terça-feira, maio 18, 2004
  Por detrás dos sorrisinhos
Muito me intrigam aqueles amiguinhos que aqui tenho no blog. Calma. Não é de vocês que eu estou a falar. Refiro-me concretamente aos redondinhos sorridentes que fazem parte da mobília das caixas de comentários. De certeza que já reparam neles... Mais, se já comentaram, é seguro que já usaram alguns deles, pelo menos. Mas alguma vez pararam para pensar nesses bichinhos sempre tão disponíveis para nos traduzirem pensamentos e sentimentos quando o texto corrido não flui? Pois, não pensaram. Acreditem que, sem os bicharocos coloridos, seria muito maior a frequência com que vocês fariam má figura; os mal-entendidos haveriam de suceder-se em catadupa. Se tal não acontece, deve-se, seguramente, a estes pequenos e afáveis seres que tão egoisticamente ignoramos e tão prontamente utilizamos, fazendo uso da sua personalidade, expressa com simplicidade num sorriso ou em lágrimas. A pergunta impõe-se: quem são estes animais?

Comecemos pelo primeiro a contar da esquerda, aquele do chapelinho.

Tem ar de querubim, sem dúvida. Contudo, é seguramente sexuado. Diria mesmo que é fêmea. Tem ar de menina, muito tímida, púdica, um poço de reservas. Contudo, aquele olhar matreiro não esconde que também gosta que lhe dirijam um piropo, que a beijem de surpresa e com força, como nos filmes franceses, ou até, quando sai à noite com as amigas e já está um bocadinho tocada, que lhe ponham a mão no rabo, desde que ninguém veja. Fica nervosa só de pensar nisso. Na intimidade solta o animal que há em si. Perguntem ao dos óculos de sol.

Temos o segundo, aquele de sorriso de orelha a orelha. É macho e é do Benfica. Homem honesto, incapaz de mentir. Gosta de caracóis e de Xutos & Pontapés. Prefere Sagres a Super Bock, e faz muito bem, que eu também prefiro. Vai ao Rock in Rio - Lisbon edition (sejam "benvindos", diz Santana Lopes...). Não gosta de nenhuma banda em particular (para além dos Xutos), mas como o pai gostava de Beatles ele vai lá ver o Paul McCartney, que diz que toca muito bem. Enquanto cidadão quase exemplar, ostenta apenas uma falha: nunca se recenseou como eleitor. Não percebe nada de política nem gosta muito dessas coisas, decidir é complicado. Joga bowling no Colombo, todos os sábados à tarde, com a namorada, com quem mantém a mesma relação apática há seis anos e uns trocos.

Chegamos então ao terceiro, aquele envergonhadinho das faces eternamente rosadas. A cada dia que passa, mais o rapaz se avermelha. Oriundo não de uma família mas antes de uma floresta genealógica de campónios agrícolas da Beira Interior - tradição milenar à qual escaparam dois tios rebeldes que optaram pela pecuária -, o envergonhado redondinho não tem grande importância. Nascido humilde, é humilde e simples que morrerá, sem que exista qualquer tipo de expectativa em relação a eventuais evoluções ou progressos, tanto ao nível da personalidade como do estatuto social. Na escola nunca teve alcunha. Para falar verdade, ninguém reparava nele. Nem a professora. Para confirmar a tese, eis o facto: terminada a quarta classe, quando procurou o processo escolar para certificar habilitações de forma a dar início à actividade laboral (técnico de sulfato e "chófer" de tractor), descobriu que o seu nome nunca chegara sequer a figurar no livro de ponto. Não tinha faltas, portanto.

O quarto é o dos óculos, o preferido das mulheres. Tem pinta, um ar muito cool, embora se pareça um pouco com o Stevie Wonder. Não é romântico mas disfarça bem, o que leva a que as miúdas facilmente lhe caiam aos pés - muito embora ele não os tenha. Infelizmente, não pode sair à noite, porque não vê nada com aquelas lentes fumadas. Em contrapartida possui umas retinas em excelente estado de conservação. Está sempre de bem com a vida e é detentor de uma auto-estima elevada. Será, provavelmente, o mais másculo dos bonecos, se exceptuarmos o diabrete que está lá à frente - já lá vamos. O seu sonho era ser músico, mas a falta de dedos dificultou-lhe a tarefa e impossibilitou-lhe a concretização do sonho. Suspeita-se que mantém uma relação escaldante com a sonsinha do chapelinho. Perguntem ao dos olhos esbugalhados.

Chega o chorão. Ou será chorona? Eu acho que é menina. Quem chora assim não é homem. Qual carpideira, passou a maior parte da vida vertendo lágrimas insaciáveis num pranto de meter Dó - e é aqui que entra a música: em Dó. Junta-se ao côro da Igreja de Nossa Senhora das Dores (dah-uh...). A mãe, entretanto, faz questão que se torne freira. E ela não discute. Chora mas não discute, principalmente porque não consegue chorar e discutir em simultâneo. A mãe insiste mais ainda e, já que pode exigir, abre inscrição nas Carmelitas Descalças. Infelizmente, a chorona não pode alinhar pelo mesmo diapasão devido a um fungo esquisito chamado "pé de atleta", que contraiu em circunstâncias ainda por explicar na sacristia da sua paróquia. Fica a pergunta: como é que um smiley que só tem cabeça contrai pé de atleta? São misteriosos os desígnios do Senhor...

(continua)
 
segunda-feira, maio 17, 2004
  Uma Canção Só Nossa
"Afinei a guitarra e cantei-te ao ouvido o hino de uma nação só nossa.
No refrão, que era amargo, repetíamos várias vezes a Eternidade, como se ninguém partisse nunca."

D. Armés in A Pedra Que Procuras

Eu, no lugar dele, tentava de novo.
Mudava a letra do refrão, cantava qualquer coisa sobre o momento presente e o que pode acontecer agora, aqui, se esquecermos as projecções, as previsões, o futuro todo, as consequências e as expectativas. No final, mesmo que o refrão saísse amargo, isso não teria importância. Desde que ela cantasse comigo. Desde que ela também tivesse cantado ao meu ouvido...

"Sunset City (Guitarrista)

"pull the strings
make them sound together

here we are
at sunset city
playing our guitars
gathering merry melodies

I would shout now
if you told me to
or I could whisper words
in a thousand different ways
to say
I'm inlove with you..."

E, no final, depois de um harpejo suave em sol-Maior... dava-lhe um beijo.
 
sexta-feira, maio 14, 2004
  Nota da Guitarra
É com dó-Maior que constato o desaparecimento do post sobre as frases inócuas de pessoas desinteressantes. Acreditem que não foi propositado. Durante um exercício de republicação do referido post, após edição do mesmo, o sistema foi abaixo, tendo as citações ficado perdidas algures na limbosfera.

Não deixa, contudo, de ser curioso: o título afirmava que aquelas palavras não teriam direito à posteridade... Premonitório, no mínimo.
 
  Uma descoberta, um preciosismo - o meu desabafo, a minha vitória!
Hoje descobri uma coisa nova. Françoise Schein: eis o nome da artista plástica nascida na Bélgica responsável pela estação de Metro do Parque e pelo respectivo novo grafismo do nome do autor de A Origem da Tragédia, Para Além de Bem e Mal ou A Genealogia da Moral, entre outras obras maiores. Fiquem sabendo que, graças a Madame Schein, o nome do filósofo passou a ser conhecido dos passageiros que saejm naquela estação da seguinte forma: Nietsche.

É um preciosismo, eu sei, mas falta-lhe um "z". Escreve-se NietZsche... Ok, vá lá, chamem-me mesquinho. Mas, a verdade é que, na Bélgica, falam dos portugueses como um povo que "deixa andar". Eu deixar andar até deixo, agora não deixo é de assinalar o erro! Que não é português.





(Ok, já estou calmo)
 
quarta-feira, maio 12, 2004
 
Na curvinha acentuada do século, ali perto de onde acabava o Dezembro antigo e o Janeiro do segundo milénio já se adivinhava até pelo novo cheiro - oh, a modernidade das novas eras, essas datas redondas e inovadoras que fazem a Humanidade calendarizar-se na vertigem de um sonho novo, de uma esperança rejuvenescida, como se os homens ressuscitassem e rompessem uma casca de ovo estagnada no tempo - fiz parte de um dos mais curiosos e peculiares projectos musicais que conheci até hoje.

Provavelmente alimentados pela loucura que se espalhava um pouco por cada cabeça humana - cabeças que perspectivavam o vértice cronológico: 1999 iria tornar-se 2000; era apenas uma questão de tempo - também nós acreditávamos na renovação da realidade pós-moderna. Éramos apenas três-tão-somente-três e a maquinaria era escassa. Uma Fender Telecaster para mim, um Ernie Ball-qualquer-coisa-não-me-lembra-o-modelo-que-não-sou-baixista para o Mário e uma bateria Pearl muito "jazzie" para o Bruno, também conhecido por "Cámone" entre os frequentadores habituais do Nina's Place, ali nos arredores de Santa Iria da Azóia. Aliás, o Nina's Place foi o palco da nossa estreia, mas... lá chegaremos, que ainda agora começou a constituição da equipa.

Equipa essa que respondia, quando a multidão assim aclamava, pelo nome de Paquiderme Magrinho. Os Paquiderme Magrinho tinham um som ligeiro dentro do género pesado, indo de encontro à explicação latente no epíteto. Suponhamos que temos a voz do Manel Cruz (dos magníficos Ornatos Violeta), mas mais suave (era eu que cantava); imaginemos que tínhamos uma guitarra que encorpava influências tão díspares que atravessavam praticamente o universo musical contemporâneo, partindo de um Jerry Cantrell (Alice in Chains) e terminando num Mark Knopfler (mas com palheta), passando obviamente por um Pat Smear (sem cabelo pintado) cruzado com um Dave Mathews (não acústico) e outro Ben Harper (sem "lap guitar" nem truques de "slide"); tentemos conceber um baixista (o Mário) algures entre o Brian Ritchie (Violent Femmes) e o Colin Greenwood (Radiohead), com umas piscadelas de olho à Melissa auf der Maur de uma fase primária das Hole; a bateria do Cámone soava exactamente como aparentava: "jazzie".

Tudo isto, numa embalagem bem empacotada, trajada sem grande rigor mas com enorme boa vontade. E cantávamos em português, em composições que, por vezes, pareciam não fazer grande sentido. Há quem insista que não tínhamos métrica; há quem jure a pés juntos que nunca rimámos durante a nossa curta existência; mas temos, contudo, testemunhos praticamente válidos de que a nossa música tinha nível e a nossa onda era um ensinamento para as gerações vindouras: uma forma de estar muito "cool", em que a pacificidade e a tolerância pontificavam. É uma pena que nunca tenhamos tido o retorno merecido.

Ora, mas, às vezes, uma letra vale mais que mil palavras. Aqui ficam com "Nada Por Acabar". Tirem as vossas próprias conclusões.

"Nada Por Acabar (Guitarrista / Paquiderme Magrinho)

(intro - apenas bateria e voz)

círculo inexacto e pronto
a viver
balão de ar imperfeito

anestesiado
atado às minhas mãos
na ponta de um cordel
de amor rarefeito

escalada enlouquecida
ao monte de Vénus
na ponta dos dedos

mindinhos eternos
vivos de carne fantasma
nocturna e entristecida
como antigamente

(entram guitarra e baixo, a música ganha uma melodia cerrada mas suave, como uma sequência de potentes explosões secretas, quase silenciosas)

100% ou nada por acabar
como um destino incompetente
e tão fácil de cumprir

as mil razões aparentes
que nunca ninguém sabe explicar
e nada mais a seguir

somos todos ladrões
e a vida é uma ladra por agarrar
há sentimentos que escapam

e uma razão por perceber
pois 100% das coisas
são sempre outra coisa qualquer

(todos, em uníssono, gritando)

e nada mais p'ra descobrir (8 vezes)"

Chegámos a gravar um "single" com esta música. Supostamente, seria a rampa de lançamento para o LP "Marés Vivas em Terra, Gaivotas Submersas a Afogar-se", uma coisa muito lírica, a lembrar o pôr-do-sol de Outono na Foz do Lizandro, entre um gin tónico, dois dedos de conversa e o grasnar absurdo e enervante da passarada que a gente amaldiçoava, mas sem grande convicção. A editora rejeitou o título e nós, que éramos teimosos, preferimos cancelar a edição. Quem perdeu foi o público.

 
terça-feira, maio 11, 2004
  Apoteose no Convés
(continuação de Tour' 96)



Era sábado, parece-me. Devia ser, pois se já tínhamos actuado duas vezes e em dias seguidos e tenho quase a certeza, era capaz de apostar, que o dia seguinte foi domingo, dia de desmontar a tenda, arrumar a tralha, limpar os restos do sargo assado no braseiro e abandonar a lembrança do Alentejo, ali, no lugar de Porto Covo.

As duas anteriores performances não haviam sido completamente satisfatórias, nem para o público, nem para nós e, muito menos, para o gerente que se recusava terminantemente a pagar-nos fosse o que fosse - e que bem que me tinha sabido uma tequilla de oferta para acalmar os nervos e fazer esquecer a realidade.

O Convés estava cheio, à pinha. O bruááááá estendia-se porta fora, até ao centro do lugarejo, onde nós terminávamos, a custo, cachorros quentes mal servidos na Esplanada do Marquês - nessa altura ainda tinha, agora parece que já não tem.

Descemos as escadas do bar, apresentámo-nos à audiência, o bruáááá encolheu-se, primeiro, esfumou-se, em seguida, e levou consigo uns bons 80% da clientela até então presente. As duas primeiras noites não haviam agoirado nada de bom e a terceira preparava-se para encerrar a tournée fazendo o pleno: nem um aplauso sincero em mais de 4 horas de música (junatando as noites todas).

Começámos com o "My Mother Died (and I didn't care much)", mas a incompetência da dicção do Alfredo deu-me cabo da letra, que eu compusera tão a custo, após horas e horas de audições consecutivas de The Cure, Nirvana, Sex Pistols e Soundgarden. Seguiu-se aquele que havia de ter sido o nosso single, caso algum dia nos tornássemos uma banda: "Um Cão" - uma balada muito monótona, pesada, a roçar o sinistro, que contava a história de um cão chamado Vlad, o Impalador, que tinha nascido com três patas e teve um desgosto de amor e acabou por morrer atropelado antes de perder a virgindade. Uma tragédia em quatro quadras, escrita, de uma ponta a outra e com muito feeling, pela melhor das inspirações com que algum dia o Alfredo fora abençoado.

A audiência começava a dar sinais de vida, especialmente no refrão da canção, que dizia assim:

"eras um bom cão, embora Impalador, Vlad
que tenhas o mais que merecido descanso eterno
quem te atropelou e te causou dor de certeza que há-de
sofrer milhões de tormentas desumanas no Inferno"

(repetia 4 vezes)

Foi nesta altura que eu me iluminei: as coisas estavam a correr mal mas, mesmo assim, muito melhor do que das vezes anteriores. Esta poderia ser a grande oportunidade dos Smoking Gun After My Suicide. E eu não queria desperdiçá-la.

Reuni o pessoal da banda e fiz-lhes saber da minha intenção: queria-os fora do palco. A princípio todos aceitaram menos o Alfredo. Por fim o Alfredo acabou por aceitar a decisão, quando o gerente, que ouvia a nossa conversa, exultou e prometeu rodadas para a banda e acompanhantes, tudo a custo zero e a noite toda.

Subi ao palco sozinho e o público duvidava de mim. É natural. Nessa altura eu não era ninguém. Como é que eu ia fazer para ter na mão aquelas mais de quarenta pessoas? Como? Quais os acordes mais rápidos a quebrar o gelo? Quais as notas que mais depressa conseguem saciar multidões inquietas?

Peguei na guitarra, liguei o overdrive com uma distorção suja. Seleccionaie o ritmo B23 na caixa electrónica, aquele que faz tum-tum-TA-tum-tum-tum-TA-tum-tum-tum-TA (sempre assim).

Aumentei o volume da guitarra e deixei-a entrar em feedback. Já tinha a atenção das massas, que, expectantes, me olhavam, cada vez mais curiosas. Quando o feedback se preparava para ultrapassar a danger-line, comecei com os acordes de Smoke On The Water, num revivalismo Deep-purpliano que perdurará por décadas na memória daquela fantástica moldura humana e da vizinhança, que acabou por ser igualmente brindada com aquela sequência maravilhosa de acordes roucos e electrizantes. O povo aderiu, a malta cantava (não a música toda, mas a parte do "smoke on the water / a fire in the skies", embora eu fosse capaz de jurar que havia quem fizesse variações na parte do "a fire in the skies"), houve quem subisse ao palco e pegasse o microfone. Era a festa.

Para que se possa ter uma vaga ideia do que foi o encore: quando terminei (julguei eu...), agradeci ao público. Este respondeu-me com exigências e não com pedidos... "ok", pensei para comigo, "lá vai disto". Uma hora e três quartos depois, ainda eu tocava os mesmos acordes dos Purple... ainda hoje tenho marcas nos dedos. Mas acabei por sair em ombros. As rodadas à borla foram tantas, que tal se tornou inevitável...
 
segunda-feira, maio 10, 2004
  Melhor diálogo do fim-de-semana
(Conversa pouco pertinente e ainda menos provável, contudo verdadeira. Sábado, noite de 8 para 9 de Maio, Santos, Lisboa. Conheci a Vera. Bebemos cerveja em copos de plástico.)

(Vera): A seguir, quando sairmos daqui, o que fazemos?
(Eu): Hummm... isso é alguma pergunta com rasteira?

(Vera sorriu)

(Vera): Não, a sério... podíamos tipo ir... sei lá... ao Plateau ou ao Kremlin.
(Eu, em blusão de capuz, calças de treino reprovavelmente salpicadas do jantar e ténis de futebol): Duvido que me deixem entrar.
(Vera): Humm... talvez dê.
(Eu): Achas?! (Eu, olhando-me a mim próprio, dos pés à cabeça... ao peito, não consigo ver a minha própria cabeça) O porteiro vai-me olhar com ar de reprovação e desdém, após o que exclamará num tom forçada e falsamente educado "Não posso deixá-lo entrar, o seu traje é demasiado... desportivo".
(Vera): Como é que sabes que ele te vai dizer isso?
(Eu): Já fui porteiro no Kremlin.

(A Vera olha para mim, incrédula, hesita e, finalmente, ri-se muito. Percebeu a piada.)

(Eu, sorrindo suavemente, mantendo a calma, fazendo uso do meu charme discreto e bem disposto. No fundo, é uma expressão vitoriosa mas comedida. Vi isto num filme.): Acho que não vale a pena perder tempo à espera na fila... além disso, são quase 4 da manhã. Pagar consumo mínimo a esta hora é quase um crime.
(Vera): E tu não conheces ninguém num desses sítios?
(Eu): Eu?!
(Vera): Sim, como és todo do rock e não sei quê... às vezes, tipo... as pessoas conhecem-se.

(De início, fiquei apreensivo com a expressão "todo do rock e não sei quê". Descansei após fazer "refresh" à minha percepção das coisas, concluindo que, afinal, a Vera vive na Malveira.)

(Eu): Pois... talvez algumas pessoas ali dentro já tenham ouvido falar de mim. Mas, sabes, (aqui decidi introduzir uma linguagem que ambos pudéssemos compreender) eles é mais outra onda, uma cena mais tipo... techno e isso. House?! Drum'n'bas... e... cenas assim... acho eu.
(Vera, rindo. Era capaz de jurar que ela ria por compaixão): Deixa lá isso. Quando sairmos daqui, vais ali abaixo pagar um copo à roulote...
(Eu, vitorioso e sereno): Não pago copos a roulotes.

(Pausa gélida na conversa. Sobrolho esquerdo da Vera presetes a tocar o tecto do bar. Noite escura e fria. Erro no sistema.)

(Vera, séria): Tu não bates muito bem, pois não?

(Não percebeu a piada. Regresso a casa assobiando qualquer coisa distraída para afugentar a solidão.)
 
quinta-feira, maio 06, 2004
  Tour - Summer '96
Para ser honesto, não foi propriamente uma tournée. Digamos que se tratou de um timing perfeito para estar no sítio certo à hora certa. Na verdade, foram três concertos, todos eles no mesmo sítio, pelo que o título "digressão" será tlavez exagerado. E a apoteose final, em pleno encore do último dos concertos, também não chega para justificar o termo "consagração".

Era Verão (o tal "summer" do título), o ano era o de 1996. O sítio, esse, era o lugar de Porto Covo. Eu andava na estrada com a minha banda - "andava na estrada"... é como quem diz, andávamos de férias pela costa alentejana -, os Smoking Gun After My Suicide, uma onda muito negativa em que as melodias góticas se juntavam a batidas pop mal amanhadas, com uma voz cavernosa mas por afinar (pobre Alfredo...), um baixo forte, bem marcado mas pouco imaginativo e uma segunda guitarra profundamente inspirada em Rão Kyao, se é que me entendem... Tudo somado, era assim uma espécie de Oasis com Type O - Negative com um vocalista que juntava o melhor do Nick Cave com o pior do Johny Rotten. E daí talvez eu esteja a ser benevolente com o Alfredo. Acrescente-se o Rão Kyao na guitarra eléctrica.

Não tínhamos muitos fãs, mas também não tínhamos muitas músicas. Nem sequer tínhamos muitos instrumentos, para falar a verdade: o baixista tocava numa viola afinada duas oitavas abaixo; o baterista tinha uma tarola, um bombo e um prato de choque - e quando eu digo "um" prato de choque, quero dizer "um" prato de choque -; eu tinha a minha Squier coreana, azul bebé, mas tive que vender o amplificador (um Dean Markley, francamente mau, que distorcia mais que o metal charger da Ibañez e que tinha uns poderosos 20 watts, que me rendeu 15 contos e deu para pagar a estadia no parque de campismo Monte Branco - uma miséria a céu aberto, se querem saber); o vocalista tinha a voz dele e, até para isso, precisava de sorte; o segundo guitarrista tinha uma flauta de bisel dos tempos da preparatória, das aulas de educação musical - mas sabia fazer na guitarra quase todos os acordes maiores, usando a técnica do travessão; só não tinha guitarra, então eu emprestava-lhe a minha para ele dar uns toques enquanto eu fumava um cigarrinho e pensava para comigo "o que é eu estou aqui a fazer?!"

Voltemos a Porto Covo, '96. Certa noite, já o alcoól ebolia nas veias da banda e respectivas acompanhantes, descemos as escadas do Convés para actualizar a situação etílica de cada um. Era noite "de artista" - para quem não conhece o Convés, certas noites de verão são culturalmente enriquecidas por sujeitos maquiavélicos, a solo, com uma guitarra e uma caixa de ritmos a cantar covers inimagináveis, que vão de Paco Bandeira a Michael Bolton, sem esquecer pelo caminho um Bryan Adams ou uns bem mais actuais mas igualmente cruéis Hands On Aproach. O "artista" da noite teimava em não chegar. Ao fim de três ou quatro canecas, resolvi, com a desenvoltura e a compostura que o desarrolhar da noite me permitia, propor à banda que propuséssemos ao gerente do bar um concerto dos Smoking Gun After My Suicide. A banda aceitou e o gerente não se fez rogado. Foi assim que subimos ao palco do, desde então, mítico Convés. A história do encore apoteótico fica para depois.
 
quarta-feira, maio 05, 2004
  Coisas de famosos
A saga continua. Cada vez mais o meio de transporte de um famoso se torna quase tão popular quanto o seu dono. Ombreando com a campanha assombrosa do FCP na Liga dos Campeões, vem o Mercedes de "alta cilindrada" de Carlos Cruz fazendo abertura de noticiários televisivos. Já não é a primeira vez que isto acontece. Assim, de repente, lembro-me do Honda Civic da Lídia Franco e do blindado de "alta cilindrada" (acho que era um Audi A8; de qualquer forma, o que interessa é que era "blindado" e de "alta cilindrada") de Santana Lopes. Isto, no ramo automóvel.

Se olharmos para a locumoção aquática, o nome Lucky Me, de Vale e Azevedo, ocupa o primeiro posto, várias léguas marinhas à frente das embarcações primitivas e não-motorizadas de Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Capitão Gancho ou Pedro Álvares Cabral.

Eu sou mais adepto do "transporte público". E posso garantir que esta afirmação permite várias interpretações.
 
terça-feira, maio 04, 2004
  Futebol - dois pensamentos menores sobre o assunto
1.

Este fim-de-semana que passou foi, para mim, de futebol. Quando Sporting e Benfica se defrontam - estas equipas não se "encontram", como quer fazer crer alguma comunicação social; estas equipas degladiam-se, confrontam-se, enfrentam-se, disputam, jogam, desafiam-se, mas nunca, nunca se encontram -, toda a minha atenção se concentra nesse dito confronto.

2.

O Sporting perdeu, o que é sempre saboroso. O Benfica ganhou, ainda bem porque me acrescenta felicidade. O Benfica ganhou ao Sporting, tive que festejar. E, melhor ainda, o Sporting perdeu contra o Benfica... logo, ontem não trabalhei.

3.

Sobre o "derby", apenas mais um pensamento menor (não quero saber das claques nem do Moreira nem do Geovani): José António Camacho disputou seis clássicos e só ganhou dois. Sempre no mesmo campo. Ora, povo benfiquista, se quisesse ter um treinador que apenas ganhasse jogos em Alvalade, eu só podia ser uma coisa: sportinguista (lagarto, lagarto, lagarto!).
 
A música vista por dentro. A vida tocada em guitarradas ruidosas. Cuidado com o feedback.

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