Tour - Summer '96
Para ser honesto, não foi propriamente uma tournée. Digamos que se tratou de um timing perfeito para estar no sítio certo à hora certa. Na verdade, foram três concertos, todos eles no mesmo sítio, pelo que o título "digressão" será tlavez exagerado. E a apoteose final, em pleno encore do último dos concertos, também não chega para justificar o termo "consagração".
Era Verão (o tal "summer" do título), o ano era o de 1996. O sítio, esse, era o lugar de Porto Covo. Eu andava na estrada com a minha banda - "andava na estrada"... é como quem diz, andávamos de férias pela costa alentejana -, os Smoking Gun After My Suicide, uma onda muito negativa em que as melodias góticas se juntavam a batidas pop mal amanhadas, com uma voz cavernosa mas por afinar (pobre Alfredo...), um baixo forte, bem marcado mas pouco imaginativo e uma segunda guitarra profundamente inspirada em Rão Kyao, se é que me entendem... Tudo somado, era assim uma espécie de Oasis com Type O - Negative com um vocalista que juntava o melhor do Nick Cave com o pior do Johny Rotten. E daí talvez eu esteja a ser benevolente com o Alfredo. Acrescente-se o Rão Kyao na guitarra eléctrica.
Não tínhamos muitos fãs, mas também não tínhamos muitas músicas. Nem sequer tínhamos muitos instrumentos, para falar a verdade: o baixista tocava numa viola afinada duas oitavas abaixo; o baterista tinha uma tarola, um bombo e um prato de choque - e quando eu digo "um" prato de choque, quero dizer "um" prato de choque -; eu tinha a minha Squier coreana, azul bebé, mas tive que vender o amplificador (um Dean Markley, francamente mau, que distorcia mais que o metal charger da Ibañez e que tinha uns poderosos 20 watts, que me rendeu 15 contos e deu para pagar a estadia no parque de campismo Monte Branco - uma miséria a céu aberto, se querem saber); o vocalista tinha a voz dele e, até para isso, precisava de sorte; o segundo guitarrista tinha uma flauta de bisel dos tempos da preparatória, das aulas de educação musical - mas sabia fazer na guitarra quase todos os acordes maiores, usando a técnica do travessão; só não tinha guitarra, então eu emprestava-lhe a minha para ele dar uns toques enquanto eu fumava um cigarrinho e pensava para comigo "o que é eu estou aqui a fazer?!"
Voltemos a Porto Covo, '96. Certa noite, já o alcoól ebolia nas veias da banda e respectivas acompanhantes, descemos as escadas do Convés para actualizar a situação etílica de cada um. Era noite "de artista" - para quem não conhece o Convés, certas noites de verão são culturalmente enriquecidas por sujeitos maquiavélicos, a solo, com uma guitarra e uma caixa de ritmos a cantar covers inimagináveis, que vão de Paco Bandeira a Michael Bolton, sem esquecer pelo caminho um Bryan Adams ou uns bem mais actuais mas igualmente cruéis Hands On Aproach. O "artista" da noite teimava em não chegar. Ao fim de três ou quatro canecas, resolvi, com a desenvoltura e a compostura que o desarrolhar da noite me permitia, propor à banda que propuséssemos ao gerente do bar um concerto dos Smoking Gun After My Suicide. A banda aceitou e o gerente não se fez rogado. Foi assim que subimos ao palco do, desde então, mítico Convés. A história do encore apoteótico fica para depois.