Querida Guitarra
segunda-feira, janeiro 31, 2005
  Surdez
Numa perspectiva empírica, a surdez faz supor a inexistência de um universo sonoro. Tudo em redor se move em silêncio. Tudo nasce, existe, respira e morre num sepúlcro sem barulho ou melodia. O que resta a um músico quando a surdez o afecta?



A vedade é que estou a ficar surdo. Há alguns anos atrás, deixei de ouvir do ouvido direito. Há pouco mais de uma semana, o esquerdo deixou também de cumprir a função. Uma adolescência de praias de águas frias e marés violentas, à qual se juntou um crescimento em estúdios de pouca qualidade onde a estridência dos instrumentos raiava o inconcebível, resultou nisto: um zunido permanente e enlouquecedor, que me varre a cabeça, de um lado ao outro. De repente, é como se todos os sons mundo se tivessem transformado numa única nota estática e inabalável. Um feixe ruidoso, a fazer lembrar uma pequena descarga eléctrica, ergigido sobre o cerebelo como uma fasquia do salto em altura. Assim: horizontal, sereno e recto.

Não sei se a minha audição é recuperável.

O que resta a um músico quando a surdez o afecta? A que soam as guitarras desbravadas com raiva quando a nota mental não se altera? E um prato de bateria, um crash violentado por uma baqueta enérgica, soa a quê? E as canções? O que cantam aquelas pessoas dos video-clips, movendo a boca em letras sem sentido, inaudíveis? Cantarão bem? O que é isso da "afinação"?

Vamos repetir o solfejo numa imagem mental cada vez mais abstracta. Harpejemos numa guitarra acústica desafinada, imaginando mi-lá-ré-sol-si-mi. Soa bem...
 
sexta-feira, janeiro 28, 2005
  Melhor diálogo do fim-de-semana
A Kitty fez as pazes comigo. Eu disse-lhe que me fazia falta uma pessoa como ela e isso. E disse-lhe também que "com todo o respeito e sem querer ser abusivo" ela tinha umas mamas fixes. Ela mandou-me uma fatia do que restou do bolo Toblerone com um cartão a dizer "Querido Guitarrista, às vezes és muito parvo. Mas eu gosto de ti na mesma. Hoje vamos ver o pôr-do-sol à beira do rio, boa?" E eu liguei-lhe e disse "Boa." Acho que ela gosta de mim. Eu... tipo, eu não tenho condições sentimentais para me dar "assim" a uma pessoa. Eu sou reservado. Mas ela é porreira.
Uma vez à beira do rio, a olhar para o sol a pôr-se, tivemos várias conversas. De entre elas, escolhi esta para vos transcrever com um fidelidade tão alta que não caberia num sistema midi. Teria que se baixar.

(Ela): Este pôr-do-sol... Sabes, Guitarrista, os fins de tarde fazem-me sempre lembrar o dia em que nos conhecemos.
(Eu): Nós não nos conhecemos de noite?
(Ela): Sim, eu sei... mas é porque sabe bem e dá-me assim uma sensação cheia de coisas boas...
(Eu): Pensei que nos tínhamos conhecido num bar gótico...
(Ela): Sim, mas o pôr-do-sol faz-me sentir calma e leve... como quando te conheci.
(Eu): ... foi na Forca Maldita e estavam a tocar os Crematorium of Handicapped Corpses, eu lembro-me... aliás, até estavam a tocar uma versão gore duma canção qualquer do Lenny Kravitz.

(Kitty pára de conversar. Franze os lábios. Depois continua.)

(Ela): Às vezes acho que não me ligas nenhuma.
(Eu): Eu?! Então, até me lembro que eles estavam a tocar uma do Kravitz...
(Ela): E não é Kravitz que se diz, é Kravitz.
(Eu): Ãh?... Kravitz.
(Ela): Kravitz... assim... K'rué-vitz. Diz.
(Eu): Querué-vitz.
(Ela): Não... K'rué-vitz.
(Eu): Kuruévitz...
(Ela): Não, pá. Não tens pronúncia...
(Eu): Oh... De qualquer maneira, uma coisa que se escreve K-R-A-V-I-T-Z não me parece que deva ser lida com pronúncia americana. Isso deve ser polaco ou croata ou assim. Embora ele não pareça...

(Eu torço o lábio. Depois continuo.)

(Eu): Toda a gente goza comigo por causa da minha pronúncia.
(Ela): Eu não gozei, só corrigi.
(Eu): Os meus amigos gozam por causa da maneira como digo "Mônaco".
(Ela): Não é "Mônaco" é Mónaco.
(Eu): Mô-na-co.
(Ela): Não, Mó... Mó-na-co. Como em Mónica.
(Eu): Mônica.
(Ela): MÓ-MÓ-MÓ-nica! Irra, tu és desesperante... como é que consegues cantar? Tu precisas de terapia da fala, Guitarrista.

(Eu mordo o lábio.)

(Eu): Que conversa mais estúpida...
... é estúpida ou é estûpida que se diz?
(Ela): Ãh?... Eu... errrr... acho que é estúpida... Estûpida parece, sei lá... "estûpida"... isso parece açoreano.
(Eu): Ai é? A mim parece mais madeirense... por causa do chapelinho.
(Ela): Chapelinho?...
(Eu): Sim... o chapelinho no 'û'. Faz lembrar aquelas casas típicas lá deles, não é?

 
quinta-feira, janeiro 27, 2005
  Músicos freak


"Eu sou /
o Avô Cantiiiiigas..."

O primeiro concerto de Carlos Vidal, em Dezembro de '34. No final, um dos presentes comentava "O Carlitos é totó. É pobre, usa sapatos rotos e limpa as ranhocas à manga, eheheh... E também joga mal à bola."
 
segunda-feira, janeiro 24, 2005
  Músicos freak


Kussundulola belisca Teresa Salgueiro, em foto tirada durante a digressão conjunta pela Península de Setúbal, em 1991. Rodrigo Leão não posa para o retrato e exclama, enquanto se afasta agastado, que "para brincadeiras destas, não contem comigo!", ao que acrescenta "vocês vão ver... um dia ainda belisco a Beth Gibbons". Cândida Branca Flor, que na altura se dirigia ao refeitório do Inatel de Palmela (lá atrás) e que ainda era viva na altura, decide partilhar o momento, até porque "são artistas que aprecio, especialmente o Kussundol.... dundu... ludola" (sic). Pedro Ayres Magalhães tinha um cabelo diferente e uma expressão esquisita no rosto. O outro, aquele que tem uma guitarra esquisita ao colo - há quem diga que era o Flak num acesso de maximalismo - já garantiu a vários órgãos de imprensa especializada que "o Kussundulola também beliscou o Magalhães". Cândida Branca Flor não desmente.
 
  Cuidado com o frio
Na vida de artista, os obstáculos quotidianos abundam e abrangem áreas diversas. Por exemplo, um pintor que seja pobre e se veja obrigado a alugar um sótão privado de luz natural, algures na Mouraria, para utilizar como atelier, ficará deveras surpreendido ao trazer os seus quadros - eventualmente naturalistas - à luz do dia e constatar que acabou de inventar uma variação sobre o estilo, a partir da redistribuição aleatória do pigmento. No caso dos guitarristas famosos, como eu, o grande trauma são as frieiras.

A frieira é uma coisa muito dolorosa que dá nas mãos. Eu dantes sofria imenso com frieiras. Chegava a ficar com os dedos seriamente gretados. Fazia-me muita impressão pisar uma corda e não conseguir soltar a mão em seguida, uma vez que as cordas se encaixavam nas fissuras dos meus dedos. Principalmente nas cordas não-bordoadas, embora estas causassem menos dor. E o pior é que as frieiras acabavam por tornar-se chagas e estas, como sabem, têm líquidos variados e desinteressantes. Não sei se já experimentaram tocar em cordas lubrificadas, mas era exactamente o que me acontecia no tempo em que eu tinha frieiras com fluxo orgânico.

Para quem quiser experimentar a sensação de tocar com lubrificação, é untar o cordame com Vicks. Tentem depois interpretar concentradamente o Come As You Are e constatem como acaba por parecer tão difícil como assobiar o Voo do Moscardo, contra o vento, em pleno Cabo da Roca. Bom exercício!

 
quinta-feira, janeiro 20, 2005
  Brinquedos novos
Quando um guitarrista - e isso aconteceu comigo, antes de me ter tornado extremamente famoso - começa a arranhar uma guitarra, esgrimindo contra as leis da física e a inépcia que impedem as mãos de realizar os sonhos, concretizando 'aquela' melodia que se tem na cabeça... onde é que eu ia? Hum... Bom, os primeiros acordes que um gajo toca, normalmente ouve-os sair da guitarra de outrém: esta é a verdade. Ao início ninguém compra uma guitarra. Mais: a compra prematura de uma guitarra pode levar ao desânimo, uma vez que cria no futuro músico a sensação de obrigação de aprender a tocar, uma vez que o investimento já está feito. E quem sabe tocar guitarra, saberá do que estou a falar. Trata-se de um instrumento teimoso que não se deixa domar às primeiras. Primeiro vêm as posições dos dedos, depois os harpejos, mais tarde os ritmos e a noção de apertar as cordas contra o braço como deve ser. Por esta altura, vacila-se: as bolhas nas pontas dos dedos começam a ser insuportáveis e os resultados raramente são melhores que o medíocre. O som sair até sai, mas nunca sai como a gente gostava que saísse. Ena, que frase contfusa. Bom, continuando... Só quando se tem a certeza de que se pode evoluir na guitarra é que se deve comprar o instrumento.

Uma das maiores alegrias de um guitarrista em início de prática musical é a aquisição da 'sua' primeira guitarra. 'A tal' Querida Guitarra, com quem desabafa. Aquela que, por mais semelhante a um pé de cabra com cordas que ela seja, NUNCA há-de ser partida em palco. É a musa. É a primeira. Aquela que viajou primeiro às nossas costas. Aquela na qual aprendemos a trocar as cordas. Aquela na qual experimentámos colocar as cordas de formas diversas e inventivas no carrilhão, acabando por concluir que existe, afinal, uma forma mais correcta e eficaz que todas as outras - tornar-mo-nos ricos e famosos e comprar um roadie para nos trocar as cordas.

A minha primeira guitarra era uma Sissmux 926-TRF. Custou-me 16 contos e trazia saco. Já vinha com empeno e nunca ninguém conseguiu afiná-la com afinadores. Chegou a avariar um afinador digital, nos seus tempos áureos, quando eu ainda não sabia sequer que existiam coisas chamadas escalas. Tocava eu com os Mini Nasty Cleaver Worms. Tentávamos tocar punk-rock, mas não tínhamos competência, ainda. Anos mais tarde, vim a saber que o baterista adquiriu um metrónomo e terá então exclamada "bem, que cena... faz toc-toc no mesmo ritmo durante bué de tempo". A velha Sissmux ainda lá está, em casa dos meus pais.

Depois da epopeia guitárrica, vem a aventura amplificatória. O meu sonho sempre foi ter um JCM 900, da Marsahall. Hoje tenho três, um deles no meu quarto. Mas, no início dos tempos, a coisa não era assim. Se agora existe fartura, no princípio tudo o que existia era noite e escuridão. Depois veio deus e criou o mundo e um casal para procriar debaixo de uma macieira. Entretanto vieram os peixes e outros bichos mais terrestres, mais tarde chegaram os dinossauros, a seguir os crocodilos e as tartarugas. Até que chegou o dia em que eu comprei um Legend de 20 watts. Quanto mais se aumentava o volume, mais distorção conseguia obter. A partir do nível 4, atingia o feedback com razoável facilidade. Era uma festa para os meus vizinhos de cada vez que eu tentava tocar o I Used To Love Her - não altura, era uma cena complexa para mim - aos domingos de manhã.

Tudo isto para vos dizer uma coisa tão simples:
os Oioai compraram amplificadores de guitarra novos. E, como querem mostrá-los, convidam o povo todo para partilhar, entre todos, a imensa alegria que é ter brinquedos novos para fazer barulho, música e outra cenas, como o jazz ou a ópera. Eles fazem rock. Por isso, não percam: Oioai ao vivo, sábado, dia 22, às 23h30, no Bar Europa (Cais do Sodré, Lisboa), entrada livre.
 
quarta-feira, janeiro 19, 2005
  António & Variações humanas
Crítica de música



1. Primeiro, António. Já várias pessoas tentaram não defini-lo. Começam por dizer que é difícil, que é esquisito, que foi um cometa, que era estranho, que era ávant-garde, que era popular, que era fora de cena, que era fora-de-série. Depois de feita a amálgama, terminam com o clássico "era indefinível".
Pois atrever-me-ei a defini-lo. Não definindo o conceito "António Variações", mas antes exemplificando a forma como as suas letras e músicas se apropriam de quem as escuta. A linguagem simples e popular, plena de candura e ingenuidade, é usada por António com uma força assinalável: não se lhe pode fugir e não se a pode contornar.
É como se, num dia de profunda melancolia, e depois de ler conselhos psico-emocionais do Daniel Sampaio, memórias de guerra do Lobo Antunes e a Origem da Tragédia do Nietzsche, ao fim da tarde, de frente para uma imperial e um pires de tremoços, um amigo de infância, que desistira de estudar - por falta de vocação e dedicação - no 9º ano, se aproximasse, dando uma palmada nas costas e perguntando "então, pá? Há dias que moem mais que os outros, não é?" É. É isso mesmo! E, perante esta capacidade de percepção e este poder de síntese, todos os eruditos nos parecem apenas mestres da verborreia.
António diz verdades sobre sentimentos com palavras simples. Fala do quotidiano que conhece, com palavras que conhece. E conhece tão bem esse quotidiano, da vidinha aos sonhos, da alegria à tragédia, que as suas frases são valiosas. E, sendo simples, dizem muita coisa. Diria que é dos letristas com maior taxa de aproveitamento por vocábulo entoado.

2. Os Humanos. De uma forma geral, estes Humanos são uma agradável surpresa. Camané é o homem certo no lugar certo. Tem na voz o pedaço de fado que faltava a António Variações. O sentimento é semelhante. E, como sabe captar o arrojo e o tom popular do cantor original, Camané assume na perfeição as canções de António. Ou seja, e para que não restem dúvidas, não só deixa as músicas intactas, como a sua capacidade de interpretação dá um certo toque de requinte - sem cair em perfeccionismo, que seria contra-natura, no caso - às canções.
Manuela Azevedo confirma, uma vez mais, a sua voz de extraordinário timbre. Afinada, madura, aveludada, com uma rouquidão sensual, Manuela interpreta ainda na perfeição o sentimento original das composições. É muito fácil imaginar as músicas cantadas por Manuela Azevedo na voz de António Variações.
Chegamos a David Fonseca. É o mais fraco dos três intérpretes. Esforçado mas descontextualizado, não arruina a obra original, mas também não lhe dá nem a força nem a melodia que esta mereceria. Certamente, tal não acontece por falta de talento ou desatino na voz. Talvez o resultado se deva à falta de familiaridade com o canto em português. E se António Variações dominava a expressão lusa cantada com uma facilidade notável, indo à raiz popular, à música tradicional, David Fonseca parece que só agora experimentou a língua de Alberto João Jardim (sem pronúncia) para cantarolar. Devia experimentar tocar numa tuna. Ajudava-o a perder aquele ar tímido e a odiar pandeiretas. Além disso, cantar A Mulher Gorda ajudaria a uma maior aproximação à fonética portuguesa.

3. Avaliação final: Humanos 7/10. É um 7 mais próximo do 8 do que do 6. Vale pelo esforço, pela ideia, pelos arranjos - muito bons, mantendo-se fiéis à simplicidade de Variações - e pelas interpretações de boa parte das faixas. Não é um álbum estrondoso, não é "a peça que faltava". Mas é um acrescento, uma aproximação ao cantor português que conseguiu ser o mais português dos pop's, ao mesmo tempo que foi o menos português dos tradicionais. Este Humanos é um objecto claramente positivo. Além disso, é sempre agradável ter acesso a mais variações sobre António, em tons de novidade, 20 anos depois de a sua criação ter cessado.
 
terça-feira, janeiro 18, 2005
  Melhor diálogo do fim-de-semana
Um dia destes, não me lembro agora qual deles foi, encontrei a minha amiga Kitty - aquela do bar gótico e isso. Quem não leu, procure nos arquivos. Entre as várias conversas que tivemos, houve uma que se destacou e que memorizei praticamente na íntegra e que passo a transcrever com a fidelidade que me é reconhecida.

(Eu): Bem... já comeste o bolo de Toblerone quase todo...
(Kitty, de boca cheia e, digamos... besuntada): É bom. Queres provar?
(Eu): Eu já provei. É fixe, mas... comer um quilo de bolo de chocolate... não te enjoa?
(Kitty): ahn-ahn (abanando assim a cabeça, a fazer que "de modo algum")
(Eu): Se não tomas cuidado, engordas...
(Kitty, reabastecendo-se com mais uma garfada): Quem me dera... não consigo engordar.
(Eu): Sim, mas estás muito bem assim, não precisas de forçar a engorda.
(Kitty): Eu gostava de engordar.
(Eu): O quê?!
(Kitty): Sim, para ficar com as mamas maiores. As minhas são só isto, assim, pequeninas.
(Eu): Quando se engorda, fica-se com as mamas maiores?
(Kitty): Claro. Ficas com mais matéria, mais substância...
(Eu): Mas... e não ficarias com umas mamas gordas e descaídas?
(Kitty encolhe os ombros e atira-se novamente ao bolo Toblerone)

(Eu): Eu gosto das tuas mamas.
(Kitty olha-me com ar surpreso, atrasa a mastigação num movimento em slow-motion)
(Eu):
Quero dizer... parecem-me bem. Nunca mexi nem isso...
(Kitty acentua o ar surpreso e suspende, por completo, a mastigação)
(Eu):
Não, repara... não... nem quero mexer...
(Kitty tosse, incrédula)
(Eu):
Bom, isto... o... eu... errr...
(Kitty): Ouve, Guitarrista... és muito querido e isso. Mas às vezes sabes mesmo deitar uma pessoa abaixo. Vou-me empanturrar em bolos e chocolates até ficar com umas mamas deeeeste tamanho (Kitty faz com as mãos assim à frente das mamas) e tu vais querer muito tocar nelas e vê-las bem de perto (ela encostou a sua testa à minha, nesta altura) e tudo o que vais poder é sonhar com elas. Sonhar!, ouviste Guitarrista?
(Eu): Eu...

(Kitty sai, bate a porta com estrondo)

(Kitty regressa, tempestuosa, enervada, fora de si. Diria ofendida.)

(Kitty): E vou levar o bolo de Toblerone. Com licença.
 
segunda-feira, janeiro 17, 2005
  A minha terra
Eu não tenho propriamente uma terra. Mas existe um sítio - e existe um para cada um de nós - a que chamamos "a minha terra". Normalmente, é o sítio onde enterramos "os nossos mortos" - a família, os amigos, aquelas pessoas que fazem parte da nossa existência de uma maneira tal que a própria existência que gerimos se transtorna quando uma dessas pessoas desaparece.

Eu vim hoje da "minha terra". Cheguei à cidade - que também vai sendo "minha", com o passar rápido dos anos - e senti-me carregado de renovadas energias. E essa renovação deve-se, eu sei, à quantidade de coisas que uma pessoa é levada a sentir e a pensar quando, num regresso de filho pródigo, volta a pisar a terra com que, há muitos, muitos anos, sujava os joelhos e as mãos, enquanto jogava ao berlinde. Ainda não havia playstation's e mesmo os game-boy's ou primeiras nintendo's eram raridades - eu tinha um EuroXT da Schneider com monitor Hércules monocromático. Nenhum amigo meu tinha uma máquina superior à minha - ainda toda a gente descobria as maravilhas da fita magnética gemedora no leitor/gravador dos 128k + 2, na altura.

Na "minha terra" as pessoas recebem-me com uma atitude difícil de definir. Sem dúvida, existe a gentileza e a amizade que se emprestam apenas a quem "é da casa". Mas, por outro lado, existe uma insuperável distância entre "os da terra" e os que, como eu, "de vez em quando vão à terra, comer comida da mamã e visitar o povo". Às vezes dá a sensação de que, os que ficaram, sentem que a partida dos outros foi uma espécie de abandono. E há um ressentimento latente: talvez resulte da quantidade de vivências que se acumulam em separado, em paralelo, quando, até certa altura, a experimentção do mundo se fazia numa comunidade que se adivinhava para toda a vida. Há aquela impressão de que o mundo nos separou e, com isso, destrinçou vidas que se previam e se queriam juntas.

E existe também o lado mais difícil de ir à "minha terra": a actualização do obituário. Gente que julgava distante, pessoas a quem nunca prestei grande atenção, morrem. E, de repente, de modo surpreendente, abre-se uma brecha na minha consciência: a minha terra, sem a pessoa tal, já não é a mesma. Alguém quebrou o contrato. Supostamente, a tal pessoa era "parte integrante e património inalienável" do conceito "minha terra". Se os mortos se acumulam, o que restará da minha ideia de "minha terra"? E é mesmo lá na terra que o obituário consegue ser mais cruel. Porque, quando contávamos que, mesmo com o passar dos tempos, lá na terra tudo se manteria, afinal a nossa terra vai-se reciclando.

E lá o tempo também passa e, mesmo lá, nós também somos e ficamos mais velhos - uma amiga minha, que é um ano mais velha do que eu, disse-me este fim-de-semana que tinha a impressão de que eu teria 18 anos. Andámos na escola juntos e, no entanto, eu, para ela, teria estagnado na idade em que deixámos de contactar. Comigo acontece-me exactamente o mesmo quando vejo os "miúdos", que o eram quando saí da terra, conduzindo o carrinho de bebé do filho ou com a namorada grávida pela mão. Os "miúdos"... não era suposto terem-se conservado "miúdos"?

Eu gosto de ir à "minha terra". Rever os rostos e percebê-los em mudança. Gosto da "terra" em si. Como ela lateja, agora que cresceu de repente e sem me avisar... Há muita vida ali. E, mesmo mais crescida e um pouco desordenada, conserva-se bonita. Eu gosto que as pessoas se lembrem de mim quando eu vou à minha terra. De quem eu sou e de como eu era.
 
sexta-feira, janeiro 14, 2005
  Lidar com o público
Falar de música é falar de concertos; falar de concertos é falar de público; falar de público é muito arriscado. Aí está um silogismo interessante. Tendo em conta estas permissas, podem, desde já, avaliar o difícil que é para uma pessoa como eu alimentar um blog de suporte musical à base de palha melódica. Mas pronto, faz-se o que se pode. De qualquer maneira, não era disto que eu queria falar.

Venho aqui hoje falar-vos, ó povo auditivo, numa tentativa de explicar o quão difícil é lidar com essa raça de gente conhecida como "as pessoas". Por exemplo, "as pessoas" da audiência.

Ser um músico famoso não é fácil e tenho a impressão de já ter dito isto mais de duas vezes. Há que ser metódico, de modo a alcançar o objectivo. Há que ser perseverante, de maneira a não vacilar nas alturas-chave. Há que ser forte, para que o público se sinta subjugado e, logo, atraído. Em suma, há que trabalhar e saber trabalhar com carisma. E, se o carisma é natural em certas pessoas, noutras pode ser produzido e solidificado.

Às vezes entro em bares e está uma banda qualquer a tocar. E eu vejo aqueles rapazes em cima do palco, a dar o melhor que podem, tocando o melhor que sabem, titubeando, nervosos, ante uma audiência invariavelmente indiferente. O que é que lhes falta? Liderança! Um músico, quando sobe ao palco, deve assumir-se como um líder de uma multidão. Não é fácil, até porque é raro que, nesses bares que eu frequento, "multidão" signifique "mais que trinta pessoas". Mas não interessa. O músico não está ali para fazer a contabilidade. Isso é com o gajo que faz a caixa ao fim da noite e distribui a esmola pela banda, enquanto os elementos desta desmontam amplificadores e enrolam cabos. Pisar um palco é assumir as rédeas de um pedacinho de surrealidade. E, enquanto se dá vida a uma coisa absurdamente inexistente - como o é uma melodia -, deve-se fazê-lo com o espírito não de uma partilha, mas antes de uma sessão de oferendas: "tomai, ó surdos, este ácido sulfúrico das emoções! Abri os ouvidos, ó corja, a este 605 forte do cardio-intelecto! Drogai-vos com estes acordes, ó pessoas!" Se não resultar, podem chamar nomes ao público ou pagar uma rodada a toda a gente. Ter um microfone e tempo de antena é sempre estar em vantagem. O que é preciso é quebrar o gelo e aniquilar a indiferença.
 
terça-feira, janeiro 11, 2005
  Melhor diálogo do fim-de-semana
Ontem encontrei a Vera, a minha primeira manager. Tomámos um café...

(Vera, com expressão franzida, de desagrado): Esse cabelo...
(Eu): Que é? O que é que tem?
(Vera): É... está.... hum... demodé.
(Eu): Demodé? Isso é francês?
(Vera): Não gozes, parvo.
(Eu): A sério, a minha pergunta faz todo o sentido. Repara, estou a escrever isto e, como deve ser francês e eu não pesco nada dessa língua endemoninhada, nem sei como é a acentuação de 'demodé'. Repara que pode ser 'démodè', por exemplo. Ou, indo pela fonética portuguesa, escrever-se-ia 'dêmódê'. 'Tás a ver?
(Vera): Estás na mesma, tu. Sempre me usaste para tudo. Agora, para escreveres estes diálogos esquisitos fazes de mim tua personagem só por causa de um trocadilho barato e sem piada com uma palavra estrangeira. Além disso és ignor(o discurso de Vera foi interrompido porque beijei-a apaixonadamente. Embora não esteja apaixonado por ela.)
 
segunda-feira, janeiro 10, 2005
  A carreira do músico
Uma das coisas mais difíceis de gerir numa carreira de músico é a carreira de músico. Uma pessoa que queira ser cozinheiro, por exemplo, só tem que aprender para que servem caçarolas, frigideiras e panelas e saber misturar lá para dentro a pimenta, o sal grosso, o colorau ou a paprika. Claro que convém saber controlar o lume brando e pôr aquele barrete esquisitóide. E alguém que queira ser contabilista só tem que saber ligar e desligar a calculadora de fita e o resto vem nas cábulas. Ou um engenheiro, por exemplo, que é só fazer desenhos e pôr risquinhos e pontos com números a fazer de anotações. Ou um dentista, por exemplo, que é só pegar na broca e assustar o paciente que, de boca escancarada, pouco mais pode fazer do que ter medo. Ter muito medo. E a história da broca vale também para os electricistas, por exemplo, que esburacam as paredes para fazer as canalizações de electricidade. Que às vezes entopem, quando há electricidade a mais, porque os electricistas são descuidados e fazem buracos pequeninos e o fluxo dos electrões não tem escoamento. E depois transborda e curtocircuita. Às vezes faz fogo.

Mas isto são carreiras menores de profissionais desinstruídos. Por exemplo, os psicólogos. Que raio de profissão é essa? "Ai, você anda triste, isso é por causa do complexo do Édipo porque a sua mãe não lhe deu de mamar até aos dois anos como você gostava e tenha cuidado com os objectos cortantes e cordas com laços corridos numa das pontas porque você ainda se magoa..." Quer dizer, isto são coisas que toda a gente sabe. Mas quem é que sabe o quanto custa uma carreira de músico? Especialmente, quando se é uma estrela, cheio de fama e glamour e isso?...

A gestão da carreira de um músico de gabarito passa, em grande parte, por uma boa relação com o seu 'manager'. Convém, para tal, que um manager possua determinadas características, como:

-ser do Benfica;
-não ser do PSD/CDS-PP;
-não estar envolvido com as máfias do Leste;
-não ser imigrante ilegal;
-não ser o manager de uma banda/artista concorrente;
-gostar de pevides;
-não ser fundamentalista anti-tabagista;
-ter dinheiro para investir;
-ser simpático;
-saber negociar bem, mas não demasiado bem;
-ser meu fã;
-não se chamar José Veiga;
-outras.

Toda a ciência tem os seus segredos. Eu não estou aqui para esconder nada aos meus fãs. Sou um autêntico livro aberto.
 
sexta-feira, janeiro 07, 2005
  Músicos freak


"Quem
perdeu
foste tu só tu
e nunca eu

a
final
hoje o papel principal
é meu e só meu e

quem perdeu
foste tu só tu
e nunca eu

a
final
hoje o papel principal
e meeeeeeeeeeeeeee...eeeeeeee...eeeeeeuuu"

(Adelaide Ferreira durante a sua fase unplugged)
 
quinta-feira, janeiro 06, 2005
  Músicos freak


Gaiteiro de Lisboa durante uma actuação em Newark, na bem portuguesa festa do Halloween.
 
terça-feira, janeiro 04, 2005
  As indiferenças
ou o modo diferenciado como o ser humano olha para a tragédia dos outros

O egoísmo do Homem é tão enorme que só sentimos a dor dos outros quando sentimos medo que nos aconteça o mesmo, ou seja, quando a possibilidade da tragédia ser nossa passa a existir. É por isso que se reza quando alguém explode num comboio em Atocha ou se chora quando alguém carbora em Nova Iorque. Podíamos ser nós. Afinal, espanhóis e americanos são nossos "semelhantes". Mas toda a gente passa a página do jornal quando, diariamente, pessoas que - acreditem! - também são como nós, derretem em atentados em Israel, ou vão pelos ares na Palestina, no Iraque ou na Arábia Saudita.

O tsunami do Índico só nos impressionou porque podia ter sido cá ou porque podíamos ter estado lá de férias ou porque a terra pode tremer em Portugal a qualquer momento. Soubemos pôr-nos na pele das vítimas. Ou, pelo menos, soubemos tentar fazê-lo. Mas, se o caso fosse outro, se 200 mil pessoas tivessem morrido, ao longo de um ano, devido a uma operação militar concertada entre países desenvolvidos, sob o comando dos EUA, com cidades e aldeias e colheitas e fábricas e hospitais e escolas destruídos como resultado, duvido que alguém prestasse atenção. Porque sabemos que nós nunca seremos vítimas dessas operações concertadas que vêm "prevenir" o mal maior. Não temos medo disso. Tememos, isso sim, o terrorismo islâmico, porque podemos ser a próxima vítima. E tememos os terramotos e os tsunamis, porque os destinos de placas tectónicas e vagas monstruosas não dependem de presidentes nem de conselhos de segurança.
 
segunda-feira, janeiro 03, 2005
  Cogumelo-Boom e eu
Por mais que se tente, por maior que seja a procura, nunca se conhece o verdadeiro esconderijo de um monstro genuíno. Às vezes, sai de trás de uma nota inofensiva, apodera-se da guitarra e distorce uma sala inteira. Com os Cogumelo-Boom & The Naked Peaches o fenómeno era recorrente.

Eu era um dos Naked Peaches. Cogumelo-Boom era o nome artístico do Sansão da Silva, um jovem de ideologia e silhueta trabalhadas em Hiroshima. Já era mais cota e apresentava-se ao mundo na sua versão semi-demolida. Para não ferir susceptibilidades usava uma máscara de distorção facial, o que, se não lhe conferia, a priori, um aspecto regulamentar para ser humano vulgar, permitia, pelo menos, que no ar subsistisse o benefício da dúvida.

Na nossa inventividade - sim, nossa, porque eu compunha a meias com o Sansão, em longas tardes de vodka-limão no cinzentismo de umas águas-furtadas outonais no centro de Mafra -, construíamos pérolas de monstruosidade com os nossos instrumentos semi-letais e extraíamos diamantes obscuros das canetas de aparo com que inundávamos de poesia gore e tinta da China as sebentas compradas na livraria-papelaria 77.

Deixo-vos um pedaço de nós em forma de canção.

"Irmã
(Cogumelo-Boom / Guitarrista Famoso)

tens cabelos ruivos
mas isso é do fogo
que eu te ateei
no bico grande do fogão
enquanto gritavas, possessa,
'pára com isso
larga-me o pescoço
senão já não és meu irmão'

tens seios carnudos
mas isso é bom
porque te vejo à noite
em frente ao espelho do WC
e às vezes reparas
que eu estou a espreitar
tapas as tet... ma...çãs
e gritas 'tás parvo ou quê?'

usas lingerie
em dias de festa
que nunca vi
em mulheres sérias
e quando pões mini-saia
eu fico com medo
que não tenhas juízo
e chegues a casa com doenças venéreas

o teu sangue é vermelho
e é pouco espesso
deves estar doente
porque sangras com facilidade
há dias atrás
enquanto o teu grunho
te esbofeteava
sangravas de felicidade

mas agora partiste
e eu desconfio
que tu já não voltas
desse novo buraco
porque tens terra em cima
e uma pedra com nome e datas
e mensagens de eterna saudades
só porque te asfixiei com um saco

Irmão - irmã - irmãããããã...
(dedilhado)
I'm...
so sooooooooorry
(repete sete vezes)"
 
  Glenfiddich - aged 18 years


Puro malte, envelhecido - eis o resumo de uma passagem de ano longa, lenta, calma e embebida no melhor líquido com o qual se pode gargarejar.

Remergulhar o corpo e o espírito numa pequena multidão que era a nossa na adolescência é, a um tempo, reminiscente e revigorante. Os velhos rostos, hoje mais pensativos; as antigas gargalhadas, hoje mais maduras e sensatas; os brindes de outrora, hoje mais fortalecidos e consequentes. A mesma festa, a mesma alegria, mas com maior substância, porque os anos se acumulam, uns em cima dos outros, e as memórias vão-se reunindo numa manada quase interminável à volta de individualidades que conseguem ser cada vez mais distintas mas que têm cada vez mais em comum.

E é claro que há coisas que ficam para a história, para as nossas histórias, que havemos de contar uns aos outros, reavivando memórias e passagens que quase caíam no esquecimento - há uma alta probabilidade de esquecimento após festas deste tipo: com a cabeça demolhada, são raras as conversas ou imagens que chegam intactas à posteridade.

Mas há conversas que ficam:

"Eu sou 'O' fora-da-lei"
(Peardy, auto-ilustrando-se)

"O barco não foi ao fundo. Estava para ir ao fundo, mas deitei carga ao mar... e o barco ainda não foi ao fundo"
(Edu Rosso, dissertando na ponte, para Peardy, sobre a eliminação do excesso em situações de crise)

"Apedreja-me a Catedral"
(Mac, pecando violentamente)

"O consumo de droga devia ser obrigatório"
(Edu Rosso, dissertando sobre as virtudes da cannabis e seus derivados)

"Acho que vou fazer um gin..."
(Vários, várias vezes por hora)

"Midivel apiorásse"
(Mac, referindo-se à discoteca Medieval, citando Marcellus Wallace numa cena de Pulp Fiction)

"Isto parece o Vietname"
(Voz não identificada durante o fogo de artifício)
 
A música vista por dentro. A vida tocada em guitarradas ruidosas. Cuidado com o feedback.

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