Cuidado com o frio
Na vida de artista, os obstáculos quotidianos abundam e abrangem áreas diversas. Por exemplo, um pintor que seja pobre e se veja obrigado a alugar um sótão privado de luz natural, algures na Mouraria, para utilizar como atelier, ficará deveras surpreendido ao trazer os seus quadros - eventualmente naturalistas - à luz do dia e constatar que acabou de inventar uma variação sobre o estilo, a partir da redistribuição aleatória do pigmento. No caso dos guitarristas famosos, como eu, o grande trauma são as frieiras.
A frieira é uma coisa muito dolorosa que dá nas mãos. Eu dantes sofria imenso com frieiras. Chegava a ficar com os dedos seriamente gretados. Fazia-me muita impressão pisar uma corda e não conseguir soltar a mão em seguida, uma vez que as cordas se encaixavam nas fissuras dos meus dedos. Principalmente nas cordas não-bordoadas, embora estas causassem menos dor. E o pior é que as frieiras acabavam por tornar-se chagas e estas, como sabem, têm líquidos variados e desinteressantes. Não sei se já experimentaram tocar em cordas lubrificadas, mas era exactamente o que me acontecia no tempo em que eu tinha frieiras com fluxo orgânico.
Para quem quiser experimentar a sensação de tocar com lubrificação, é untar o cordame com Vicks. Tentem depois interpretar concentradamente o Come As You Are e constatem como acaba por parecer tão difícil como assobiar o Voo do Moscardo, contra o vento, em pleno Cabo da Roca. Bom exercício!