Querida Guitarra
terça-feira, junho 29, 2004
  Melhor diálogo do fim-de-semana
(Terça-feira, 15h00; 40ºC na paragem do 30; um amigo meu delita-se com o anúncio do último número da GQ* com a Marisa Cruz na capa)

(Amigo): Epá... esta Marisa Cruz...
(Eu): Hum?
(Amigo): A Marisa Cruz, a namorada do João Pinto... olha lá, é booooa!



(Eu): Hum...
(Amigo): Hum?! É só isso que tens a dizer?
(Eu): O que é que queres que diga?... É um bocado... insuflada, não?
(Amigo): Oh... insuflada... e depois? É boa, isso é que interessa. Faz-me lembrar a Marylin.
(Eu): A Marylin?!



(Amigo) A Marylin Monroe, pá! Não me digas que não as achas parecidas.
(Eu): Bem... a Marylin também andou com o Joe DiMaggio... Nesse aspecto, ambas se deitam com desportistas burros e bem pagos.
(Amigo): Tu... tu és impossível!

(Pausa)

(Eu): Pá, não fiques assim... De qualquer forma, nunca gostei muito da Marylin.
(Amigo): Tás a gozar.
(Eu): Não.
(Amigo): Tás a gozar.
(Eu): Não estou, não. Era uma mulher sem... sem substância, sem classe.
(Amigo): Ouve lá, tu tás doido? Com umas curvas daquelas...
(Eu): As curvas não são tudo...
(Amigo): E...
(Eu): E... prefiro... sei lá... a graciosidade da Audrey Hepburn... ou... a "mulher total" Greta Garbo... ou... a postura vanguardista e altiva da Lauren Bacall... o fatalismo da Uma Turman... até em curvas, prefiro as da Halle Berry... os lábios da Michelle Pfeifer...









(Amigo): Chega!
(Eu): ... a simetria perfeita da Catherine Zetta Jones...

(Pausa)

(Amigo): És mesmo intelectualóide, tu. De certeza que não gostas dela porque a achas uma "loira burra"...
(Eu): Ela não era loira. Nem era burra. Era, isso sim, uma mulher fraca. E isso transparecia no seu ar dengoso e pré-fabricado. A Marisa Cruz sim, essa é loira e duvido que deva alguma coisa à inteligência.
(Amigo): És faccioso.
(Eu): Tenho um gosto educado. Sou esquisito.
(Amigo): Não, tu és estranho.
(Eu): Não gosto de pin-ups. Não gosto da Sofia Loren. Não gosto da Brigitte Bardot.



Não gosto da Bo Derek. E não gosto da Marylin...

(Puasa)

(Amigo): Tu... não és muito... homem...
(Eu): Desculpa?!...
(Amigo): ... humpf... é exactamente o que tu ouviste...
(Eu): Penso que a tua ex-namorada tem uma opinião diferente...

(gelo)

(Amigo): ...ãh?... o q... tu e... ma... nã... oh...
(Eu): Olha, vem aí o 30.

(* dji quiú)

 
  Para a Truta Vermelha
Fiz uma música para dedicar à Truta Vermelha. Pronto. O prometido é devido. Espero que gostem. É uma cena assim entre a balada grunge e o fado electrónico - uma onda um bocado conceptual, eu sei. Cá vai (começa em lá menor.).

Trutas de todas as cores (a Truta Vermelha anda aí)

Não gosto de salmão fumado
sou um garfo exigente
quanto ao produto pescado
gosto de coisa diferente
vou no peixe grelhado
mais do que especialmente
mas o salmão fumado
é que eu não... aguente

(back-vocals)
sou comedor de peixe
gosto de peixe, ah pois é
e o peixe que mais gosto
é a truta. Ah pois é

Mas nem toda a truta é fixe
nem toda a truta me agrada
seja pescada em Peniche
seja em Portimão pescada
tem que ser bem colorida
e se há cor que me agrada
é aquela com mais vida
falo da cor encarnada

(refrão)
Obviameeeeeennnnnn-te!
Obviameeeeeennnnnn-te!
Obviameeeeeennnnnn-te!
Obviameeeeeennnnnn-te!

(pós-refrão)
se és truta e tens cor
então o mundo é baril
vamos todos fazer amor
para dentro de um barril
que esteja cheio de imperial
mas ainda por tirar
porque o peixe é um animal
que vive prós lados do mar

(refrão)
e do riiiiiiiiiiii-oooooooo!
e do riiiiiiiiiiii-oooooooo!
e do riiiiiiiiiiii-oooooooo!
e do riiiiiiiiiiii-oooooooo!

(pára tudo. Dedilhado sentimental em guitarra acústica. Entra a voz melosa)
trutas trutas, peixinhos adoráveis
gosto de vocês todas todinhas
mas há coisas que são incontornáveis
e eu prefiro mesmo....

(suspense musical)

as trutas laranjinhas.
(péum - péum!)
 
segunda-feira, junho 28, 2004
  Sexo
1. Estereótipos

Da mesma forma que um mundo inteiro pode ser organizado em top's, um universo - e todas as suas complexidades - pode ser etiquetado, empacotado, como se tudo fosse pré-formatado. Porém, nem sempre a estereotipagem é uma prática capaz de ilustrar uma completa realidade ou explicar, de um modo certeiro, uma verdade.

Uma amiga minha, que já não vejo há uns tempos e que, entretanto, se tornou praticante da menopausa, teve a bondade de me elucidar acerca de algumas coisas. Ou, pelo menos, esforçou-se por fazê-lo: "não gosto de poetas", disse ela, "os poetas fodem como mariquinhas" - isto são tudo palavras dela. "A melhor foda que levei foi de um enfermeiro... chamava-se Zé". O nome soou-me convenientemente vulgar, praticamente anónimo. "E digo isto dos poetas, mas posso dizê-lo dos artistas em geral. Os homens sensíveis são muito bons para fazer amor, mas muito maus para foder", sentenciou.

Obviamente, o raciocínio melindrou-me. Não sei se o conhecimento da anatomia contribui de alguma forma para uma melhor performance sexual. Não sei se o pragmatismo originário do hábito pela urgência será uma mais-valia, na medida em que os preliminares passam a adereço e, logo, são votados ao esquecimento - talvez a minha amiga não gostasse de preliminares, talvez fosse por demais objectiva quanto à satisfação dos desejos. Ou talvez não soubesse o que dizia - eu também sou capaz de saltar preliminares, dependendo da urgência da situação. E a anatomia não é propriamente um mistério apenas ao alcance de experts clínicos privilegiados. Talvez a minha amiga fosse virgem...

2. Tamanhos

Só a metafísica não tem medida. Porém, o tamanho da coisa em questão nunca foi para mim uma preocupação de substância. Pelo menos, até certo dia.

Eu andava com a Filipa. A relação ia avançando, a intimidade era cada vez maior. A nossa vida sexual era até bastante satisfatória. Uma vez - a última vez - estávamos em minha casa e, algures pelo meio de uma conversa, durante a pausa, a Filipa diz: "Sabes aquilo que dizem dos pretos? Pelo que experimentei, é verdade". Tentei manter-me sereno. Não sei se consegui. Continuou a Filipa: "Tive dois namorados mulatos e eram os dois..." interrompi-a "Filipa... por favor". "Oh, o que é que tem? Estamos só a conversar..."

Não voltei a ter relações com a Filipa. Não era capaz. Só me vinha à cabeça a ideia que, quando eu me despisse, ela iria pensar "mas por que é que eu não fiquei com o Adilson?" ou, enquanto eu estivesse dentro dela, lhe surgiriam lamentos interiores do tipo "Meu rico Reginaldo, que falta me fazias agora". Era insuportável para mim. Cheguei mesmo a imaginá-la na cama com o Adilson e o Reginaldo, cada um com suas carnes, penetrando-a insaciavelmente. Cada vez que pensava nisso, corava de vergonha e sentia que determinadas partes do meu corpo encolhiam, tornando-se cada vez mais ridiculamente pequenas. Passado uma semana, terminámos.

A Filipa nunca me chegou a dizer se eu era... bom... como dizê-lo?... vergonhosamente dotado ou confortavelmente constituído. Mas não me interessava sabê-lo. O facto de se ter lembrados dos dois "ex" mulatos só podia significar que eu não estava no seu top. Mas isso era irrelevante. Grave era o facto de tal se haver tornado uma memória "minha". Ou seja, as experiências passadas da Filipa passariam a fazer parte do meu quotidiano sempre que estivéssemos na cama: eu havia de lembrar-me do Adilson ou do Reginaldo, tenho a certeza, e sentir-me-ia ridículo. Foi esta a tormenta que levou a preocupar-me com o tamanho.

Não sei até que ponto a dimensão do objecto pode ser determinante no desempenho. A verdade é que as dimensões dos objectos costumam fazer a sua diferença, independentemente de ser para melhor, para pior ou simplesmente para... diferente. A outra verdade é que o tamanho faz mesmo diferença quando sabemos o tamanho dos outros - porque nos perturba (e o importante não é o "tamanho" propriamente dito, mas sim a consciência da existência de outros "tamanhos"; se a Filipa me tivesse contado que tinha ido para a cama com um chinês de 10 centímetros, eu iria ficar igualmente atormentado... imaginá-la-ia em loucos jogos de cama durante os quais ele havia... sei lá... de enfiar-lhe aquilo nas orelhas, por exemplo; e então eu seria incapaz de voltar a beijar-lhe as orelhas, seguramente, por melhor que ela cheirasse, por mais que me apetecesse fazê-la gemer só respirando-lhe ao ouvido).

Estas revelações são excrescências, informações que pecam pela demasia de desinteresse. Por vezes a ignorância é uma benesse para a paz interior. Que o diga a Filipa que, depois disto, chorou e ameaçou que se suicidava se eu não voltasse para ela. Felizmente, passados dois meses, encontrou o Sandro, um rapaz da Damaia.

3. Artes

Nós, os artistas, somos habitualmente conotados com uma vida sexual muito activa, fruto de uma vida boémia e noctívaga ou, simplesmente, de uma maior facilidade em encontrar parceria, tirando vantagem da notoriedade, da fama, do dinheiro, etc.

As coisas não são bem assim. Não basta ser um artista famoso para se ter uma multidão de mulheres atrás de nós. Há que ter cuidados com a imagem, definir um padrão para a personagem que queremos encarnar. Eu, por exemplo, gosto de ter um ar cool, não demasiadamente limpinho para realçar certos traços e, desse modo, reforçar a masculinidade. Mas não resulta com todos. Tenho amigos meus que chegam a passar semanas que na penúria.

Além disso, temos que ter cuidado com os enfermeiros, especialmente se forem mulatos. Pensem bem nisto antes de enveredarem por uma carreira que, embora à primeira imagem seja vistosa e tenha status, não é garante de coboiada diária e variada.
 
quinta-feira, junho 24, 2004
  Sorry
 
  Melhor diálogo do fim-de-semana
Segunda-feira. Eu na cama, dormindo profundamente. Batem à porta.

(Eu): zzzzz.....zzzzzz.....zzzzzzz.....zzzzz.....
 
  Pay day
 
quarta-feira, junho 23, 2004
  Anotações desinteressantes acerca do Verão
- Com o final da Primavera, chegou o início do Verão. Isto é tautológico, apesar de um pouco imbecil enquanto observação.

- Tenho que comprar mais t-shirts, as minhas estão velhas e gastas. Isto é mentira, porque eu gosto das minhas t-shirts velhas e gastas. Dão-me um ar cool e pós-moderno quando subo ao palco, especialmente aquela que diz "Play Me!" ou aquela outra que diz "R.I.P. Bob Dylan".

- A primeira semana do Verão está a ser menos quente do que as duas últimas da Primavera. Isto é factual, embora seja um defraudamento na perspectiva da expectativa sanzonal.

- A Carris e o Metro de Lisboa vão fazer greve no dia do jogo Portugal - Inglaterra. Isto é oportunismo chantagista, embora a greve seja uma legítima forma de luta pelos direitos dos trabalhadores.

- Os cartazes dos festivais de Verão são cada vez mais pobrezinhos. Os bilhetes dos festivais de Verão são cada vez mais caros. Isto é paradoxal, embora eu acredite que a afluência de público aos festivais não diminua.

- Uma minoria de portugueses do círculo da intelectualidade discute a utilidade, a legitimidade e o significado das bandeiras portuguesas desfraldadas nas janelas de Portugal. Isto é sintoma de falta de ocupação.

- O ministro Adjunto José Luís Arnaut veio apelar ao patriotismo dos trabalhadores da Carris e do Metro de Lisboa para que não façam greve e não deixem o país ficar mal num momento tão importante como o Euro' 2004. Isto é cinismo, regado de hipocrisia. Devia dar multa.

- Cem pessoas dormiram ao relento, à porta do Ikea de Alfragide, para ganhar um cheque de compras no valor de 100 euros. Não sei o que é isto, mas deve ser pobreza. De espírito, pelo menos.

- Não penduro bandeiras portuguesas à minha janela, tal como não exibo bandeiras do Benfica à minha porta. A manifestação clubística pertence à minha intimidade. Mas sentir-me-ia mais incomodado se me deparasse com uma cidade repleta de bandeiras finlandesas. Isto é razoável.
 
  Toranja pouco sumarenta



Há uma banda portuguesa que vai fazendo furor por esses leitores de CD's fora, animando adolescentes incautos e adultos mais distraídos. Chamam-se Toranja e têm a tendência inexplicável de fazer colagens e reciclagens de vários artistas e suas composições. Sou capaz de reconhecer que o "génio criador" e mentor da banda, Tiago Bettencourt, tem os seus talentos: não só é óptimo no uso e abuso da técnica do decalque, como exerce, com especial aptidão, a regra da métrica dissimuladamente "a martelo". Além disto, possui uma voz belíssima e muito bem afinada. Confesso até que, a primeira vez que ouvi Toranja, tudo me soou agradável, embora demasiadamente familiar. Acredito mesmo que os músicos que constituem o agrupamento sejam dotados, técnica e intelectualmente. Mas não posso deixar de notar que isso não chega, especialmente quando uma banda se apresenta como inovadora - é, no mínimo, sintoma de pretensiosismo.

Este pretensiosismo revela-se inteiramente numa das faces do libreto que acompanha o CD. O álbum chama-se "Esquissos" e os Toranja, num gesto paternal, tratam de explicar o porquê: "...esquissos são rascunhos, são estudos sobre uma ideia. Esquissos porque nunca é um projecto acabado".

Caros Toranja: as músicas de Jorge Palma, Ornatos Violeta e Coldplay (só para citar alguns, porque haveria outros a assinalar) não precisam de "esquissos" vossos. Eles próprios já demonstraram capacidade criativa e, seguramente, hão de ter atravessado um pequeno deserto experimentalista até chegarem ao conceito desejado. Não compreendo, portanto, que "estudos sobre uma ideia" possam ser feitos por vós, considerando que "a ideia" não é vossa. Para quem achar que exagero, ouça a primeira faixa ("Carta", está sempre a passar nas rádios e na TV) do álbum - é Jorge Palma chapado, só que com menos imaginação e uma letra muito mais fraquinha. Para quem, mesmo depois desta audição, considere as parecenças na composição um mero acidente, ouça o álbum de uma ponta à outra. Amesquinhando, existe mesmo um momento numa das faixas (julgo que é a 6, mas não garanto, porque já saí da Fnac e não trouxe o CD...) em que o Tiago Bettencourt chega ao ponto de executar um falsete num encadeamento de notas em todo igual ao que Chris Martin consegue na 3ª faixa ("Spies") do álbum "Parachutes", dos Coldplay.

Mas não é apenas no decalque e no cliché que os Toranja erram. Se prestarmos alguma atenção às letras, constataremos facilmente que este é mais um ponto fraco da banda. No entanto, e como já disse, Tiago Bettencourt tem o mérito (grande) de fazer parecer, a uma primeira audição, que as suas letras são de qualidade insuspeita, repletas de malabarismos linguístico-conceptuais e cheias de significados existencialistas, numa perspectiva quotidiana. E uma coisa é certa: a métrica ele domina. Mas, mais uma vez, não chega. Exemplos?

"E todo o teu planeamento estratégico de sincronização do coração são leis
como paredes e tectos cujos vidros vais pisando"
(Carta)

Quais vidros, Tiago?

"Ainda magoas alguém
o tiro passou-me ao lado
ainda magoas alguém
se não te deste a ninguém magoaste alguém
a mim...
passou-me ao lado"
(Carta)

Depois daquele discurso todo, Tiago, passou-te ao lado?

"Foi fogo que nos encontrou sozinhos queimou a noite em volta
presos entre chama à solta
presos feitos para soltar
estava escrito..."
(Fogo e Noite)

De facto, não era bem assim, mas já estava escrito.

"Noite é querer
é poder
é disfarce
é deixar para trás e largar
escuro é esconder
é guardar
é um livro esquecido e papel para escrever
há uma janela no rio
há um monte a tapar
há vento que entra.. frio...
e tu a olhar
mais uma carta rendida
mais um cenário que manda dançar
mais uma noite perdida"
(Cenário - janela no rio)

Hum...

"Talvez um dia assim
talvez um sonho a mais
talvez pensar andar
talvez pense acordar
já te perdias, foi mais um dia assim"
(Já te perdias)

Pobre. Muito pobre. Eu podia continuar. Mas, para ser sincero, estou um bocado cansado e acho que já dei exemplos de sobra. Para terminar, acrescento que tenho muita pena de ter ficado desiludido com os Toranja. A sério que depositei esperanças neles - ao ponto de me dispor a ouvi-los com atenção... se calhar foi esse o meu erro.
 
  Sugestão do dia
Mais uma vez o SacramentoBar (Calçada do Sacramento, ao Largo do Carmo, em Lisboa) apresenta uma programação que dificilmente poderia ser mais irresistível. Pelo menos, para músicos instruídos e de bom gosto, como é o meu caso. A partir das 23 horas, os Moi Non Plus elevam a chanson française ao estatuto de "tudo e mais alguma coisa", no que será, muito provavelmente, mais uma demonstração de feeling e arte na interpretação de temas que começam em Gainsbourg, atravessam o corpo da multidão com arrepio e terminam em Boris Vian. Um especial destaque para o trompetista mais cool do momento na cena lisboeta, o enorme Nuno Reis.



Ao longo da noite será ainda apresentado, no que se julga ser uma estreia universal (eles dizem que sim e eu acredito), o vídeo-clip "Baton Original", a primeira "obra palpável" dessa banda mais que promissora do novo rock luso-internacional, a Feromona.

A entrada é, como já é hábito, gratuita.

NOTA: Qualquer alteração ao programa é da exclusiva responsabilidade de alguém que não o vosso Guitarrista preferido.
 
terça-feira, junho 22, 2004
  Documento histórico
Sanguessugas do Sistema (punk/hard-core),
24 de Março de 1996
ao vivo no bar Cuba Libre (Santiago do Cacém)

Alinhamento (provisório)

(intro, instrumental "Todos sob escuta")

1- Petróleo Assassino
2- Independência Incondicional
3- Liberdade Condicional
4- O Presidente Apodreceu
5- O Meu Deus é Anarquista
6- Bófia Assassino
7- O Sistema Apodreceu
8- Nossa Senhora é Anarquista
9- Che Guevara, Meu Amor
10- A América Apodreceu
11- Dinheiro Assassino
12- Jesus Cristo é Anarquista
13- Lenine, Meu Amor
14- Insubordinação Incondicional
15- Reforma Agrária em S. Bento
16- Liberalização Incondicional
17- Revolução Anarquista Contra os Pecados dos Senhores (lutarei contra o sistema até morrer incondicionalmente)
18- Santo Agostinho é Anarquista
19- Reforma Agrária em Estrasburgo
20- Daqui Até Bruxelas a Marchar de Mão no Ar

________________________________________

(temas em reserva para o encore. Caso haja encore)

- Mao Tse Tung, Meu Amor
- Finanças Assassinas
- O Rei de Espanha é Anarquista
- Reforma Agrária em Washington
- O Sistema Apodreceu (versão acústica)
 
segunda-feira, junho 21, 2004
  Drogado


1. A visão comum romântica/conservadora do artista enquanto criador tende a associar o espírito criativo e o método de criação deste a uma certa névoa envolvente pejada de vícios e hábitos decadentes, a uma existência "alternativa" que foge à normalidade instalada e vista como correcta pela massa social. Esta ideia serve principalmente para as artes e artistas populares, mas não exclui a priori as criações e criadores eruditos. Pintores, poetas, dramaturgos, compositores clássicos são tantas vezes alvo deste tipo de associação de ideias como os pianistas de jazz ou os guitarristas de rock ou heavy-metal. Mas, neste caso, os eruditos que se defendam a eles próprios, que esta dama é a minha.

Antes de mais, gostaria de deixar bem explícito que não acredito que a genialidade de um criador ou artista se possa medir pela quantidade de vezes que tomou drogas duras ou pelo grau de excentricidade que faz (ou tenta fazer) transparecer para o mundo. O criador só o é enquanto cria e isso, o acto de criação, tanto pode surgir num atelier devidamente preparado para o ofício, sob o efeito de marijuana, como num autocarro na rotunda do Marquês, em hora de ponta, ao fim da tarde, inalando odores corporais de origens variadas.



A criação é um "clique". O que vem a seguir é trabalho artístico. Claro que existem excepções, especialmente se a intenção for conceptual. Mas, de um modo geral, é mais ou menos assim que funciona o processo; isto, partindo do princípio que o artista é honesto e acredita mesmo no seu trabalho.



2. Ainda eu não era propriamente um "guitarrista", já usava o cabelo comprido, as calças rotas e anéis. E já tinha a minha guitarra, embora ainda não soubesse muito bem até onde poderia chegar na exploração desse magnífico objecto. Ainda hoje estou longe, muito longe, do limite - penso e espero eu. Ou seja, eu não era um "guitarrista" mas já era o Guitarrista. Tinha a imagem e o espírito que ainda hoje conservo, se exceptuarmos o cabelo comprido, que entratento rapei, quando estava nas aero-transportadas e fui fazer uma comissão à Bósnia. (joke ah ah ah ah)

Certo dia, andava eu a magicar a essência daquilo que, meses mais tarde, viria a ser conhecido pelo mundo como os Fertilizante em Órbita (uma banda de punk-rock à moda da Califórnia, com laivos de psicadelismo e alguns acordes de bossa-nova com distorção, para dar brilho aos refrões e deixá-los menos quadrados), estava à espera do autocarro para ir ter com o (então-) futuro baixista da banda. A paragem era novinha em folha, fruto do esforço e dedicação do presidente da junta local. Eis que chega, entretanto, uma senhora de ar respeitável que teria, penso eu, idade para ser minha mãe. Olhou-me de alto a baixo, analizou o vestuário e associou este à guitarra que eu trazia às costas. Por fim, sentenciou, entre a incredulidade e a revolta, "não deviam construir estas coisas novas, todas arranjadinhas (ela falava da paragem, suponho...). Para quê?! Para estes drogados virem para aqui estragar isto tudo?!"

Obviamente, não lhe respondi. Sempre fui uma pessoa educada e parto do princípio que, se me mantiver sempre respeitoso, serei sempre respeitável - o que não significa que seja sempre respeitado. Sublinho que, em seguida, me levantei e dei o lugar à senhora. Não aceitou, tal como eu previa, mas eu também não voltei a sentar-me.



3. Sim, eu já fumei ganzas. Não muitas, nunca foi um hábito. Mas já fumei umas quantas, mais do que devia, em determinadas alturas. E sim, também gosto de tomar uns copos com os meus amigos - até já apanhei algumas bebedeiras, inclusivamente em dias de concertos (aos quais assisti, umas vezes, e nos quais participei, outras tantas...). Suponho, portanto, que, na perspectiva de pessoas como aquela que acima descrevi, eu seja um "drogado". Gostaria apenas de alinhar determinadas ideias para que essas pessoas não se percam ao classificarem terceiros.

Primeiro, "drogado" é um conceito vago. Um adolescente que experimenta uma ganza, embora seja "drogado", não é um "drogado" igual a um trintão apodrecido por anos e anos de injecções de "cavalo" (as pessoas respeitáveis dizem "heroína", os drogados chamam-lhe "castanha"). Portanto, vou deixar aqui uma lista que, durante este último trimestre, fui tentando elaborar cuidadosamente. É inspirada em duas formas de registo: a de Richter e a de Mercali. Portanto, se a primeira tem a ver com a intensidade de "drogado" que um indivíduo é, a segunda prende-se com a avaliação dos estragos produzidos pela droga no "drogado". Assim:



Escala A (Richter)

Grau 5:
-Caroxo: pessoa toxicodependente; consumidora habitual de drogas duras, com especial incidência (e até por razões orçamentais) no consumo de heroína;

Grau 4:
-Aventureiro: pessoa que consome habitualmente substâncias adulterantes do estado físico-espiritual; adepto da cocaína e das drogas sintéticas; potencial toxicodependente;

Grau 3:
-Maluco: pessoa adepta do consumo de drogas mas que, habitualmente, consome drogas leves (eu considero a marijuana e o haxixe uma droga leve); não corre o risco de tornar-se viciado no consumo de drogas;

Grau 2:
-Jovem: consumidor irregular de drogas leves;

Grau 1:
-Desistente: pessoa que, mesmo tendo experimentado drogas leves, não consome qualquer tipo de substância ilegal.

Escala B (Mercali)

Grau 5:
-Corpse: caroxo de longa duração; indivíduo moribundo;

Grau 4:
-Zombie: pessoa que já derreteu o cérebro devido ao consumo regular e de longa data de drogas de vários tipos;

Grau 3:
-Alheado: indivíduo que nem sempre se encontra ligado à realidade; os hábitos de consumo deixaram as suas marcas; denota alguma ansiedade diária, o que resulta provavelmente da vontade de experimentar "uma cena nova";

Grau 2:
-Mocado: pessoa pouco habituada a consumir drogas que acabou de fumar um berlaite; se não apagar com quebra de tensão, sentirá uma fome difícil de controlar dentro de mais ou menos uma hora;

Grau 1:
-Imune: pessoa que fumou alguns charros ao longo da vida mas que não apresenta quaisquer mazelas resultantes da prática.

Podemos acrescentar variações, obviamente. Por exemplo, entre os graus 4 e 5 da escala de Mercali, poderia existir o Mutante, algures pelo 4.5.

E pronto. Para quem quiser dizer mal dos jovens e dos artistas, espero ter-vos sido útil.
 
  Divagação sobre o acaso
Se eu tivesse nascido duzentos e poucos quilómetros mais para Leste, hoje não estaria tão sorridente, com este ar meio apalermado. Hoje é o dia em que a ironia do destino se faz notar. Tal como a excepção à regra. E tudo por causa de um acaso geográfico.
 
sexta-feira, junho 18, 2004
  Outra sugestão
Mais música!

Para quem quiser (re)ver Lena d'Água, ao vivo, às 23 horas, no Hot Club de Lisboa (Praça da Alegria). A entrada custa 7 euros, mas, segundo a opinão de um especialista, vale mesmo a pena.

Aliás, nem precisávamos da sua opinião. 7 euros pela Lena d'Água?! Pfff... Houve quem pagasse 38 para ver o Lenny...
 
  Sugestão musical
Para os que julgam que eu, o vosso Guitarrista preferido, possui apenas um par de belíssimas e ágeis mãos, acrescidas de um umbigo em claro exercício de expansão absorvente, aqui vos deixo a prova do contrário: uma pequena sugestão para o vosso fim-de-semana, provavelmente inanimado, de uma forma geral, ou, na melhor das hipóteses, pontualmente abalado pelas tragédias do futebol (e, sobre isto, mais não digo...). Irei sugerir dois momentos musicais que terão lugar no SacramentoBar (Calçada do Sacramento - ao Largo do Carmo), em Lisboa.


Para começar, a noite de hoje será animada pelos Cabaret LX, colectivo que conta com a voz de Sylvie C., a guitarra de Gabriel Godoi e o baixo de Sérgio Crestana. A mistura entre a "chanson française", na voz de Sylvie (sim, ela é mesmo estrangeira), a guitarra brasileira de Godoi e o jazz-blues-bass de Crestana permitem a construção de um universo musical que, no mínimo, quebra as regras dos formatos tradicionais e supera as fusões banalizadas. O concerto tem início às 23 horas. A não perder.



Para amanhã, que não estarei cá porque conto estar, tal como o próprio país, à beira-mar plantado, sugiro que assistam à Sacramento Jam Session, que também começa cerca 23 horas. Quem tiver unhas, pode pegar na guitarra. Quem não tiver, leva o saxofone. O que interessa é que se divirtam, seja como espectador, seja como interveniente.
 
quinta-feira, junho 17, 2004
  Estranha forma de... coisa
Lenny Kravitz viaja por todo o planeta Terra montado neste estranho objecto voador, em forma de V (o objecto, não o Lenny).




Reparem que ele até assinou a coisa, ali, na perninha do... da... daquilo. Por certo, tem medo que lhe roubem o veículo.
 
  Single
Sempre fui um rapaz apaixonado. Pela vida, em geral. Os pássaros, as flores, a natureza, as miúdas, a Primavera, o mar, as futeboladas, as guitarradas, as cervejinhas na esplanada, insectos minúsculos, grilos incansáveis, vestidos das noivas dos outros... enfim, uma vastidão pouco selecta de ingredientes que me despertavam - e, alguns, ainda despertam - em mim uma inclassificável satisfação pelo facto de estar vivo. Especialmente os grilos.

Claro que, no meio disto tudo, e exceptuando a guitarra, o que mais me apaixonava eram as miúdas. Houve uma que me apaixou até demais. Chamava-se Selma, era moreninha, assim de um moreno delicado, cremoso, olhos grandes, brilhantes, escuros, como que desenhados com uma fina ponta de carvão por uma mão feminina.

Conheci a Selma num início de uma Primavera adolescente. Na altura eu tinha uma banda, os Undisclosed Anonimous Recipient (UAR). Tínhamos um bom som. Terá sido, talvez, o colectivo mais pop que alguma vez integrei. Gravámos uma demo-tape, que passava na rádio lá da terra com alguma insistência (o pai do Ruizinho, o baterista, era o director de programas...), especialmente o primeiro tema, o nosso single, que se chamava precisamente "Single". Tratava-se de uma balada muito na onda de R.E.M. quando estavam cansados e tinham sofrido desgostos amorosos. Eu, quando compus o "Single", ainda não tinha sofrido o desgosto amoroso (seria apenas em Setembro), mas andava muito cansado.

"Single" - (Guitarrista)

Birds are here
they say it's spring
caught Selma to stay nearby
and sing

and when she twisted
her silky lips
I felt

that I could miss her
and all our dreams
could melt

forever foreeeeeeeeeever

a single day
a single word
from a single one
i thought you were

but you're slipping
away between
my hands

the thoughts you bring me
disappoint my
lover gland

whatever whateeeeeeeeeever"

Um dia, durante um pique-nique, eu e a Selma, debaixo de um pinheiro manso, na relva do jardim da casa dela. Cantei-lhe esta música. E ela cantou também, pois já a conhecia. No final, perguntou-me o que eu queria dizer com esta letra. Era Setembro.

 
quarta-feira, junho 16, 2004
  Uma Guitarra nova



Cá está ela, ainda a brilhar de tão nova e fresca. Como devem ter reparado os meus fãs, o grafismo da Querida Guitarra foi melhorado. É uma forma de adequar a beleza das cores e das imagens à riqueza dos textos.

Gostaria ainda de agradecer ao director artístico pelo peeling ao blog. Sem ele, o trabalho teria sido impossível.

Depois de vários meses de estudos de mercado, concluímos que a Guitarra merecia um maior destaque, demarcando-se dos demais blog's. Finalmente, o sonho tornou-se realidade...

Espero que gostem.

(Não há nada como ter um brinquedo novo...)
 
segunda-feira, junho 14, 2004
  Coisas curiosas
1. Ao ver a SIC Notícias apercebo-me que Dido fala sobre o seu último trabalho. Obviamente, tudo o que diz nestas declarações faz parte de um discurso promocional, mais ou menos programado para deixar uma determinada imagem. Mas Dido tem um ar tão doce, tão carinhosamente elegante, tão delicado, que me obriga a simpatizar com ela. Vou arranjar uma mulher assim, só para mim.

2. Lenny Kravitz seria, eventualmente, o nome mais sonante (leia-se "comercializável") do cartaz do Super Rock. No entanto, esta mega-star, este exemplar-mor do american-life-style, muito cool, muito "para os fãs", dengoso, fingiu duas coisas em palco: a música e a sensualidade. Para fazer música, não basta andar com a guitarra às costas, é mesmo preciso tocá-la. Para se ser sensual, não basta esfregar as mãos pelo corpo (faço-o todos os dias no duche e não provoco ninguém...). Em suma, o momento mais pobre de um festival já de si pobrezinho q.b. Um homem ideal para emparelhar com Brittney Spears: muita parra, pouca uva, como se diz lá na minha terra.

3. Super Bock - Super Rock. Porquê? A pergunta mantém-se, embora os Pixies tenham justificado, em boa parte, a segunda metade do nome. Nas, sinceramente, ainda não percebi onde estava a Super Bock. É pena. O povo, quando devidamente etilizado, não repara tanto nos erros da organização. Que foram muitos.

4. 50 mil pessoas, num recinto apto a receber metade desse número, será uma invenção perigosa ou uma manobra prodigiosa? Desta vez, a sorte esteve com a Música no Coração. Mas um pequeno clique poderia ter transformado um mar de gente numa tragédia (inter)nacional. É de uma irresponsabilidade atroz juntar tanta gente num espaço tão apertadinho (pouco mais de metade da Herdade da Casa Branca, na Zambujeira...). Ainda mais quando todo o recinto está praticamente às escuras.

5. A SIC, depois de um comportamento inqualificável durante a campanha eleitoral, em que beneficiou desde o início os interesses da coligação Força Portugal (entrevistas quase diárias, destaques diários, etc, etc), continua a sua política de sem-vergonhice. Hoje, no rescaldo do desastre eleitoral da direita, abriu o noticiário da noite com o treino da selecção nacional, prosseguiu com duas notícias sobre crimes (um sequestro e um de abuso sexual) e continuou para a demissão de Francisco de Assiz no PS Porto. Entretanto, estou a ver o Suécia - Bulgária, uma vez que o noticiário se me apresentou como anti-noticioso e distorçor da actualidade nacional. Não mereceriam as eleiçõs um destaque um pouco maior? A culpa da abstenção é do povo, certo? E a comunicação social, não terá responsabilidades? E o facto de Pinto Balsemão ser o dono do canal de Carnaxide, por um lado, e militante nº 1 e fundador do PPD-PSD terá alguma coisa a ver com este comportamento da estação? Estou certo que não. Estou certo de que eu, cidadão medíocre de um país ainda pior, é que tenho a mania da perseguição. Para cúmulo, tenho o mau hábito de formular teorias de conspiração. E de votar.
 
  Obrigado
Quando Black Francis finalmente se dirigiu ao público sem que fosse para fazer música e, num raro (penso que único) desperdício de tempo exclamou, visivelmente feliz, "obrigado!", eu disse para um amigo meu: "não acredito que se vão embora... falta aqui o Debaser e o Tame". Erro meu, estava-me a esquecer do Gouge Away. No final do encore, que incluiu precisamente estas três músicas, ainda em conversa com esse mesmo amigo, concordámos que a noite estava feita e que os bilhetes bem podiam ter custado o dobro. Acrescentámos maliciosamente que o Lenny Kravitz até podia ser o pior espectáculo do mundo - e o homem bem se esforçou por merecer o título - que já nada poderia beliscar uma noite memorável. Nada. Será que aquilo aconteceu mesmo? Estava capaz de jurar que sim...
 
quarta-feira, junho 09, 2004
  Hey! 've been tryin' to meet you...
Com o fim da adolescência, muita coisa morreu em mim. Especialmente células. Mas também alguns prazeres naïves que me faziam sonhar e acreditar em coisas que, hoje, se me apresentam como disparates. O Gold Strike é um exemplo, mas podia igualmente falar de Golden American ou de Clawfinger, só para citar, de forma plural e abrangente, alguns casos.

Foi uma era de descobertas e de avidez por descobrir. "Apaixonar(-se)" era um verbo com grande peso nas vidas da tribo da qual eu era exemplar e usávamo-lo várias vezes por semana, curiosamente, para descrever situações invariavelmente diferentes - a 2ª feira era um dia bom e especial porque, à entrada da Secundária, logo pela manhã, deparava-me sempre com alguma miúda a quem ainda não tinha prestado a devida atenção; durante os dois dias seguintes fazia de tudo para me aproximar dela nos intervalos das aulas, à porta dos blocos. E aproximar-me dela para quê? Simplesmente para me envergonhar e não ser capaz de lhe dizer nada. Eu fazia um sorriso estranho que ainda hoje não sei imitar e desistia porque achava que não tinha sorte ao amor. Alguns dias depois, quando executava o mesmo plano com uma nova miúda debaixo de mira, alguma das amiguinhas da miúda anterior (normalmente vinham duas: uma falava a outra fazia sorrisinhos esquisitos, acenando que sim a tudo) vinha e dizia-me "ó Guitarrista... a Mafalda está caídinha por ti..." E eu continuava a minha vida, normalmente a jogar snooker no Marcelo, sem querer saber da Mafalda nem de outra qualquer porque as miúdas só me davam desgostos de amor. Ainda hoje sou um bocado azarado, apesar de muito pretendido.

Mas a adolescência também teve um lado mau, um lado consumidor, negro, que me fazia apreciar a solidão e estagnar, horas a fio, ao lado do mini-hi-fi do quarto, com os phones suterrando as orelhas que, após hora e meia, já ferviam debaixo do aconchego made by Sony. Esse lado da adolescência tinha vários nomes. Um deles era Pixies.

E se, de repente, o mundo rodasse ao contrário e eu voltasse a cruzar-me com a Mafalda e suas damas de honor? Sexta-feira tudo pode acontecer.
 
terça-feira, junho 08, 2004
  Em playback
É uma modalidade artística intemporal.

Antes de continuar o texto, gostaria de deixar aqui uma sugestão inovadora: nos bares em que existe aquela outra modalidade nipónica que, parece, veio para ficar, o karaoke, não será boa ideia fundir as duas formas de expressão artística? O karaokista a fazer playback evita a má figura (ou, pelo menos, atenua-a). E os clientes sossegados e pacatos, como eu, podem beber as caipirinhas em paz, sem serem incomodados pela esganissez de uma voz feminina arraçada de buzina ou pela tremenda falta de senso melódico e noção de nota de uma voz masculina, com garganta mas sem ouvido. Isto é só uma ideia.

Voltando ao Playback, é, como eu dizia, intemporal. Desde que há gravadores de bobinas que os mais inseguros artistas garantem presenças não-muito-lamentáveis em directos televisivos recorrendo à prática do nosso objecto de estudo. Já cantava o saudoso Carlos Paião que, em playback (fazer asss-sim com a cabeça), ninguém vai desafinar... Isto, para o comum dos mortais, porque, como se sabe e se pôde ver com razoável facilidade, mega-estrelas conseguem o impossível: até fazer tristes figuras, mesmo fazendo playback.

Brittney Spears, paradigma da mega-estrela que consegue o impossível (inclusive, ser considerada sex simbol... alguém me explica porquê?) não deixou créditos por mãos alheias e, do cimo do seu carro alegórico, julgou-se rainha carnaval de Ovar (estive mesmo para dizer Mealhada...), limitando-se a acenar para a multidão portuguezinha (mesmo: 90% eram menores de 16 anos), não ligando cavaco sequer às palavras que supostamente articulava para encher com imagem o som que jorrava (jorrava, mas a esguichos...) das colunas do Maior Festival do Mundo. Fez má figura. Com uma agravante: isto não era karaoke. Se fosse, teriam sido apenas umas dezenas de pessoas a ver e, no meio das caipirinhas, quem é que se ia ralar?

Querida Brittney: não, não sou teu fã. Já fui fã de adolescentes e de girls-bands que fazem versões por cima de melodias mais velhas que o Compay Segundo quando ouvia Ministars e Onda-Choque (era assim que se escrevia?... Acho que não.). Mas, hoje em dia, tento ouvir música a sério feita por pessoas de carne e osso que sabem e sentem o que fazem. No entanto, senti alguma compaixão pela tua figura desamparada no cume do andaime com rodinhas. Eu compreendo-te. Eu também sofro de vertigens.
 
segunda-feira, junho 07, 2004
  Melhor diálogo do fim-de-semana
Eu e uma amiga minha, que é muito muito fã da Brittney Spears, estávamos à espera que a dita adolescente arrivasse ao palco Mundo do pior sítio do planeta para se ouvir música decente naquela noite quente de sábado.

Como ela não gosta de desportos radicais nem de qualquer outro tipo de actividade divertida, em geral, não havia nada para fazer, para além de comer hamburgueres suspeitos e beber cerveja. Dividimos tarefas: eu bebia as cervejas, ela comia os haburgueres suspeitos.

Foi então que, mais ou menos a meio do terceiro hamburguer leproso e da sétima (ou seria oitava) cervejinha, nos lembrámos de fazer qualquer coisa entretida: jogos com palavras. Decidimos que, de então em diante, seria extremamente proibido dizer determinadas palavras. Transcrevo aqui o diálogo que se seguiu a esta decisão.

(Eu): Hum... isto de escolher palavras para não dizer parece-me uma tarefa difícil e um pouco paradoxal.
(Amiga): Paradoxal?! Porquê?
(Eu): Bom, em princípio, a minha capacidade linguística está programada para seleccionar e articular os vocábulos de que disponho numa base de necessidade e não de proibição.
(Amiga): Permite-me que discorde. Seguramente possuis uma censura que te impede, por exemplo, de usar palavrões em frente aos teus pais...
(Eu): Pois... sim, mas eu não sou de usar palavrões em frente a ninguém. Prezo muito o estabelecimento de uma comunicação limpa, recta, rigorosa e obejectiva.

(Pausa)

(Amiga): Vai-te foder, deixa-te de merdas.

(Engasguei-me com a cerveja, que acabou por ser projectada, saindo-me pela boca e nariz, principal mas não exclusivamente. Sujei-lhe a t-shirt que dizia "Eu vou!")

(Amiga): Eu fui recta, rigorosa e objectiva. (Olhando para a t-shirt) Tu é que sujaste a comunicação.
 
sexta-feira, junho 04, 2004
  Top animais
(organizado por ordem anárquica)

Animais que não são do Guitarrista:

1- Lobo Mau
2- Moby Dick
3- João Ratão
4- Sheeta
5- Anaconda.

Após várias leituras atentas, continua a registar-se uma enorme dificuldade em extraír qualquer tipo de conclusão.
 
  Top Selvageria
Tenho um amigo que, ao ver o meu top, se roeu de inveja e quis fazer um top só dele.

Temos então uma listagem dos dez "melhores" álbuns da década de '90, na perspectiva de... certas pessoas. Pediu-me esse tal amigo que não ordenasse os álbuns porque, como é muito indeciso, não sabe de qual ele gosta mais. Isto faz-me lembrar uma cantiga, por acaso...

Cá vai:

TOP SELVAGEM
Versão Remodelada (saiu a Bjork, pobrezinha)

California - Mr. Bungle
Tricky - Maxinquaye
Daft Punk - Homework
Portishead - Dummy
Air - Moon Safari
Nirvana - Nevermind
Radiohead - OK Computer
Beck - Odelay
Smashing Pumpkins - Siamese Dream
Pavement - Crooked Rain, Crooked Rain
 
  Top álbuns dos '90s
(organizado por preferência pessoal e por unanimidade)

Os melhores álbuns da última década do milénio passado:

1- In Utero (Nirvana)
2- Siamese Dream (Smashing Pumpkins)
3- The Ideal Crash (dEUS)
4- Versus (Pearl Jam)
5- Tiny Music - Songs From The Vatican Gift Shop (Stone Temple Pilots)
6- Aenima (Tool)
7- Unplugged in New York (Nirvana)
8- Without You I'm Nothing (Placebo)
9- Blind Melon (Blind Melon)
10- The Bends (Radiohead)
 
  Top ídolos
(organizado por ordem cronológica e não de importância)

Os ídolos do Guitarrista:

1- António Variações
2- Carlos Paião
3- Axel Rose
4- Kurt Cobain
5- Eu.

Para além da evolução registada, do que me era próximo para o que me era distante, à medida que o tempo ia passando, registe-se o final apoteótico, embora narcísico. Só tenho um receio: olhando para o destino trágico dos meus ídolos (três morreram demasiado cedo e o outro... não), espero ter tempo para cumprir a minha missão no planeta.
 
quinta-feira, junho 03, 2004
  Rock in Fátima - o Top da fé
Leia-se "Alta Fidelidade", de Nick Hornby. Enquanto obra literária não tem grande valor, mas, na perspectiva do objecto-criado, é uma peça de aguda inteligência, humor e requinte nos detalhes. Ao longo do livro, as personagens da loja de discos (entre elas, a personagem principal) ocupam a maior parte do tempo a discutir filosoficamente as melhores bandas, álbuns, singles, letras, sequências de acordes, etc., dividindo-os em eras, géneros, tipo de autores, origem geográfica e tudo o mais que se possa imaginar. Para sustentarem as suas opiniões, uma vez que, quase sempre, discordam uns dos outros, gravam compilações em que reúnem as músicas desejadas. Para vincarem as suas posições, organizam tudo em tops, de modo a desafiar-se mutuamente. As discussões acerca dos tops são absolutamente brilhantes: desde a melhor voz feminina jazz nascida na margem esquerda do Mississipi às mulheres que mais magoaram o coração do protagonista, tudo neste livro é organizado em tops e devidamente debatido em seguida.

Como é óbvio, partilho da opinião de Nick Hornby: tudo é topável. Vinha eu a pensar nisto hoje de manhã, antes de chegar a casa, quando me lembrei de um top fundamental nos dias que correm: o top "coisas cheias de fé". Até porque, não sei se sabem, mas está na forja um novo festival de música, o "Rock In Fátima - I Hear The Voice", que irá realizar-se em Outubro próximo, na Cova da Iria, com o alto patrocínio do Bispo Leiria-Fátima (que tem um cargo que parece o nome de uma ligação ferroviária). A nova Basílica será o palco mundo e o aquário onde se pagam as promessas será uma espécie de tenda Raízes onde as bandas mais alternativas e de world-music terão presença garantida. Durante as baladas, em vez de isqueiros serão erguidas velas. Obviamente, todo o festival será preenchido por bandas de culto.

Ora, posto isto e para dar uma mãozinha à empresa que organiza o evento, a Música no Sagrado Coração, vamos ao top coisas de fé:

1- Marion Faithfull
2- Frei Hermano da Câmara
3- Maria da Fé
4- Padre Borga
5- Alexandra Solnado (que poderia muito bem recitar poesias de Cristo, himself, nos intervalos entre os concertos)
6- Roberto Leal (para a tenda Raízes, uma vez que tem uma religião alternativa)
7- Jesus and Mary Chain
8- Jesus Lizzard
9- (o que resta de) Nirvana (também para a tenda Raízes, uma vez que são obviamente budistas)
10- o décimo posto continua em aberto. Aceitam-se sugestões.

Do lado oposto e numa manifestação de acérrimo paganismo, algures num descampado das serras de Aires ou Candeeiros, Faithless liderará um festival anti-cristão.
 
quarta-feira, junho 02, 2004
  Escrita criativa - lição nº1
Desconstrução livre (primeiro passo):

"prejudicar fuma saudavelmente a gravidade".
 
terça-feira, junho 01, 2004
  Tarde na Praia
Devido à minha ausência, que felizmente já passou, o tema de hoje vem um pouco fora de tempo. Esta era uma música para qual eu tinha prometido primeira edição exclusiva ao Bom Selvagem. Assim foi, ele entrevistou-me há umas semanas atrás e, sinceramente, espero que tenham lido a entrevista. No final da emissão, que tive a honra e o prazer de enriquecer, ele e a Catarina Furtado pediram-me que interpretasse uma canção - não uma canção qualquer, pois nos bastidores combináramos que seria uma canção de amor. Eu aceitei e toquei:

"Tarde na Praia" (Guitarrista/Paquiderme Magrinho)

era suposto ser verão
e o sol devia escaldar
mas nessa triste ocasião
estava a chover à beira-mar

(refrão)
tu, que eras a minha tempestade
protestaste contra o clima da Estremadura
nunca foste a minha cara-metade
nunca me fizeste realmente entusiasmar
e atingir os píncaros da loucura
(sussurrado) nem na nossa intimidade....

sofri evidentemente
por não podermos ir ao banho
foi uma tarde inconsequente
o mar parecia castanho

a água estava barrenta
porque a maré estava agitada
tu ficaste rabugenta
para não dizer chateada..."

Espero que tenham gostado. Normalmente, as pessoas gostam. Especialmente eu.
 
A música vista por dentro. A vida tocada em guitarradas ruidosas. Cuidado com o feedback.

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