Lidar com o público
Falar de música é falar de concertos; falar de concertos é falar de público; falar de público é muito arriscado. Aí está um silogismo interessante. Tendo em conta estas permissas, podem, desde já, avaliar o difícil que é para uma pessoa como eu alimentar um blog de suporte musical à base de palha melódica. Mas pronto, faz-se o que se pode. De qualquer maneira, não era disto que eu queria falar.
Venho aqui hoje falar-vos, ó povo auditivo, numa tentativa de explicar o quão difícil é lidar com essa raça de gente conhecida como "as pessoas". Por exemplo, "as pessoas" da audiência.
Ser um músico famoso não é fácil e tenho a impressão de já ter dito isto mais de duas vezes. Há que ser metódico, de modo a alcançar o objectivo. Há que ser perseverante, de maneira a não vacilar nas alturas-chave. Há que ser forte, para que o público se sinta subjugado e, logo, atraído. Em suma, há que trabalhar e saber trabalhar com carisma. E, se o carisma é natural em certas pessoas, noutras pode ser produzido e solidificado.
Às vezes entro em bares e está uma banda qualquer a tocar. E eu vejo aqueles rapazes em cima do palco, a dar o melhor que podem, tocando o melhor que sabem, titubeando, nervosos, ante uma audiência invariavelmente indiferente. O que é que lhes falta? Liderança! Um músico, quando sobe ao palco, deve assumir-se como um líder de uma multidão. Não é fácil, até porque é raro que, nesses bares que eu frequento, "multidão" signifique "mais que trinta pessoas". Mas não interessa. O músico não está ali para fazer a contabilidade. Isso é com o gajo que faz a caixa ao fim da noite e distribui a esmola pela banda, enquanto os elementos desta desmontam amplificadores e enrolam cabos. Pisar um palco é assumir as rédeas de um pedacinho de surrealidade. E, enquanto se dá vida a uma coisa absurdamente inexistente - como o é uma melodia -, deve-se fazê-lo com o espírito não de uma partilha, mas antes de uma sessão de oferendas: "tomai, ó surdos, este ácido sulfúrico das emoções! Abri os ouvidos, ó corja, a este 605 forte do cardio-intelecto! Drogai-vos com estes acordes, ó pessoas!" Se não resultar, podem chamar nomes ao público ou pagar uma rodada a toda a gente. Ter um microfone e tempo de antena é sempre estar em vantagem. O que é preciso é quebrar o gelo e aniquilar a indiferença.