Cataclismo (versão revista e emendada)
Andava eu na secundária e tinha os cabelos compridos. Ainda tenho, mas já não ando na secundária. Ela chamava-se Cristina e eu gostava de punk-rock, na onda da Califórnia. Claro que os Bad Religion estavam no meu altar - e isto não faz de mim uma testemunha de
JEOVÁ (este blog não descrimina religiões: trata todas por igual. Mas os
JEOVÁS ... cala-te boca). Bom, eu estava a falar de música... de punk-rock. Rancid e Pennywise povoavam igualmente o meu imaginário pós-pueril - o meu sonho era dar um concerto para 35 pessoas num sítio onde só coubessem 15, mais os amplificadores, os tripés e as peças essenciais da bateria, tudo aos pulos, com os cabelos pintados de verde e rosa-chock, dependendo da intensidade do mau-gosto. Também simpatizava, na minha faceta mais pop, com os dementes Green Day (ninguém faz uma música a cantar "When I come arround"...). Mas isso era segredo, que era música mais para os mariquinhas e que, ainda por cima, passava na rádio. Tudo isto para contextualizar as minhas duas leitoras (já devidamente identificadas num blog da concorrência) relativamente ao período em que eu vivia. Era só felicidade. E um piercing na língua, para encaixar no da Cristina (que também ficava na língua...).
Nesta altura endemoninhada da minha pós-infância, já eu arranhava D'Addarios 0.11 (do melhor para os power-chords) na minha, hoje obsoleta mas então objecto de cobiça, Squier coreana azul-bebé. Tinha uma banda, toda muito alternativa. "Brainian Sonoplasthya Woke-up the Dogs". Era um nome engraçado, mas nunca ninguém o percebeu. Quando começávamos os concertos (demos três), o N.'o' K. (nome suprimido de modo a preservar o anonimato), que era vocalista e berrava com a alma - dele, minha e dos outros... -, gritava ao microfone: "Boa noite Vila Novaaaaaa!!!! (bruaaaahhhhhh do público em resposta) Nós somos os Brainian Sonoplasthya Woke-up the Dogs!!! (silêncio do público, entreolhando-se e espalhando a sensação de incógnita pela atmosfera densa e fumarenta da garagem do meu pai). E o concerto começava assim.
A Cristina só assistiu a um concerto dos Brainian Sonoplasthya. E nem assistiu ao concerto todo, saindo a meio, alegadamente por falta de "condições psicológias e emocionais". Acontece que a nossa set-list incuía um som que eu dedicara a uma outra miúda, a Xana, que era feiinha e morava na Arrentela. A música chamava-se "Cataclismo" e ia assim (já não me lembro bem dos acordes...):
"Cataclismo (Guitarrista/Brainian Sonplasthya)
eras
a miúda mais querida
da Arrentela para baixo
num mapa que só eu conheço
eras
uma gaja timída
sabias tocar baixo
do final p'ró começo
se mudares
será um cataclismo
pior do que internacional
os teus ares
são gazes do
FEMINISMO
de origem acidental
(refrão)
o teu desejo era aumentar os seios
mas não tinhas os meios
e eu gostava de ti assim
o teu sonho era ser mamuda
mas acredita miúda
eras ideal p'ra mim"
Repetíamos várias vezes a letra e o dobro dessas vezes repetíamos o refrão. Nunca mais vi a Cristina e a Xana acabou por fazer a operação.