Lírica Reinínhica
Ou "Como usar a língua como deve ser".
Confesso: de entre os compositores e letristas portugueses, admiro bastante o trabalho de criação de Rui Reininho. Isto, não desfazendo de vários outros, que, felizmente, Portugal é basto em prodígios do letrismo cançonetista - e agora não estou a ser irónico. Contudo, o Rui tem um estilo fascinante de contar histórias cantadas. Dá voz a melodias que, sem essa mesma voz que traz a história, seriam absolutamente banais - salvo excepções, porém raras, a razar o zero pequenino.
O Rui consegue coisas difíceis. Sabe ser romântico sem ser lamechas; sabe ser irónico sem ser brejeiro; sabe satirizar sem ser gratuitamente mal-dizente; sabe ser introspectivo sem cair na depressão; e, acima de tudo, sabe ser divertido sem fazer palhaçadas. Existem certas músicas dos GNR que ouço simplesmente pelo prazer de saborear aquelas letras, bem medidas, bem inventadas, às vezes esquisitas, quase sempre surpreendentes. Mais: quando o Rui não sabe o que fazer com uma letra, desenrasca-se. Nem que para isso tenha que ir buscar palavras estrangeiras. Mas fá-lo sempre (ou quase, que não lhe conheço tudo) sem rimar a martelo, de uma forma lógica em que as palavras e as ideias se encadeiam naturalmente. O Rui sabe escrever.
"(...) todos sabem que me escondo na Bellevue
ninguém comparece ao meu rendez-vous
os meus amigos enterrados no jardim
e agora mais ninguém confia em mim
era só p'ra brincar
ao cinema negro
os corpos no lago eram de gente
no desemprego"
(Bellevue)
"faz-me impressão o trabalho
que se tem ser superficial
faz-me impressão e baralho
o vulgar e o intelectual
sinto depressão conforme
perco tempo essencial
sofro uma pressão enorme
p'ra gostar do que é normal (...)"
(Impressão Digital)
Haverá muitas mais pérolas do Reinismo-Gênérrita. Mas agora não tenho tempo.