Querida Guitarra
quinta-feira, abril 15, 2004
  Plágio
Há coisas que odeio, por um lado, e que me deprimem, por outro. São uma espécie de transtorno-acumuladores, produzem-me baques cerebrais, arritmias, estranhas formas de asfixia lenta e, mais grave, cãibras nas falanges. Desta lista constam objectos, atitudes, nomes, formas, animais, de tudo um pouco. Até flores - nunca irei simpatizar com a sardinheira, dê por onde der. Mas, no topo desta lista está o "plágio". O plágio tira-me o sono, tolhe-me o estômago e é ilegal. E só menciono este nome horrendo - "plágio"...- a propósito de uma música de Jorge Palma que me está na cabeça desde que acordei hoje, praticamente de manhã. Eu gosto de Jorge Palma. Mas sinto-me plagiado sempre que escuto esta música ou, pior ainda, quando acordo e a música já lá está, dentro do meu cérebro mesmo antes de eu o ligar. Ecoa-me pela cavidade craniana com gravidade e não tenho outro remédio senão cantarolá-la no banho num tenebroso exercício de expurgação. E nem isso resulta, na maior parte das vezes.

Há uns tempos atrás escrevi uma música. Houve quem a etiquetasse de "canção de amor", houve quem fosse mais longe e a epitetasse de "chanson française em português". Recuso ambos os títulos. Era simplesmente rock. Só que falava de paixão e desejo. Não era lamechas e, muito menos, uma aproximação à arte de Linda de Suza (chanson française em português?! Haja respeito...). Como a esmagadora maioria das minhas composições, era uma coisa simples. Gosto de seguir os padrões do rock original e parece-me que os excessos de criatividade, juntamente com tiradas mais virtuosas e mesquinharias elaboradas, acabam por distorcer a música - no sentido errado da palavra "distorcer", obviamente. Aquilo que deveria ser puro e simples torna-se complexo e sofisticado. Há até artistas que perderam imenso, estigmatizados pelo fenómeno do "deixa-me cá elaborar um bocadinho mais". Grande exemplo disso é o (ex-)popular Paco Bandeira. Trocar a simplicidade de "Ternura dos Quarenta" ou "Contrabandista" por composições quase eruditas como as de bandas sonoras de telenovelas ("Roseira Brava" ou "Os Lobos") praticamente apagou este cantautor do mapa musical português. Eu não sou assim: gosto das minhas músicas simples, sejam elas baladas de levar às lágrimas ou arrepios de punk em vertigem. Três acordes chegam muito bem para povoar um compasso! E foi seguindo estas regras que compus "Período". Chegado o refrão, entrava em Lá maior/Si maior/ré menor (sustém o dobro do tempo aqui); repetia a volta até ao Si e aí partia para um desfecho extasiante, em descida mi menor/ré menor/Lá maior (sustém o dobro do tempo). A letra, nesta parte, também rejeitava qualquer tipo de academismo: ia directa ao assunto:

"eu sou um tipo meio borrego
toda a gente acha que sou cego
principalmente essas miúdas do teu 'gang'

sou uma espécie de vampiro
há dias mesmo em que eu deliro

a saborear
os restos do teu sangue
gosto de beber
gota a gota o teu sangue"

E continuava, em mi menor. Mas não vale a pena continuar. Até aqui, e exceptuando a miúda com quem eu andava que deixou de me falar, tudo ia bem. Até que, há mais ou menos três anos, o Jorge Palma lançou o seu último álbum. É aqui que tudo muda: a faixa 7 ("Espécie de Vampiro") é um completo plágio da minha "Período". Senão, veja-se: os acordes são os mesmos e a letra vai assim:

"sou um tipo de morcego
que é completamente cego
embora às vezes seja fã do Fritz Lang

sou uma espécie de vampiro
e quando sobre ti me atiro

é pra saborear
um pouco do teu sangue
é só pra beber
gota a gota o teu sangue"

A mim parece-me imitação, não? Com desvantagem para o Jorge, que a minha rima do 'gang' é muito mais natural que a dele - a martelo - do Fritz Lang. Onde é que ele foi buscar isso?
 
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