Nostalgia
Não há santo dia em que o Rádio Clube Português não interfira com a minha sanidade mental. Porém, e talvez à força do hábito, eu venho criando auto-defesas: hoje obtive uma reacção saudável aos primeiros acordes do "Penny Lane", dos míticos Beatles. Pois, adivinharam, eu faço parte daquela metade da população mundial que prefere os Beatles aos Rolling Stones. Embora também simpatize com os segundos.
Estava eu a enxugar-me, acabadinho de sair do banho, e ouço "In penny lane there is a barber showing photographs / Of every head he’s had the pleasure to know / And all the people that come and go / Stop and say hello" e começo a sorrir. Era a nostalgia a tocar-me na profundeza, sendo que, à hora de acordar, as profundezas ficam muito mais à flor da pele.
De nostalgia em nostalgia, o meu pensamento vagueante desembocou numa ideia de cristal quebradiço: daqui a uns aninhos temos os temas do Unplugged de Nirvana a passar no RCP. Constrangedor e duplamente preocupante. Cheguei-me ao espelho e verifiquei - calma, Guitarrista, ainda não tens rugas. O pensamento, que no meio do vapor do banho se torna mais escorregadio e difícil de controlar, assaltar-me-ia, em seguida, de forma ainda mais profunda: eu próprio, no tempo em que os Nirvana ainda eram, digamos assim, "contemporâneos".
Daí até à mais mítica das bandas punk-new-age-grunge-garage-alternativo-underground, foi um saltinho...
Há muito, muito tempo, numa terra distante, havia um grupo chamado Shave. Não haverá muito a acrescentar a partir daqui, a não ser que nos tornámos realmente num micro-mito da sub-cultura underground de um enclave estacionado e estagnado entre a província e o subúrbio. Para a história ficam Slut, Shirky, Underground Lover ou Blond Girl, temas que adivinhavam um futuro remediado ao compositor, um baterista prodígio, um baixista sempre bem-disposto e dois guitarristas que eram mais amigos que músicos. Memorável ainda um certo concerto na C+S local, com o palco em cima de umas mesas cujos tampos escorregavam como gelo. Um amplificador de baixo a prender a bateria para que esta não avançasse sobre o palco... até que descobrimos que o amplificador tinha rodinhas... Um encore praticamente infinito e o final da banda passado pouco tempo. Ficou a lenda.