Melhor diálogo do fim-de-semana
(Anteontem fui a casa da minha vizinha. Sim, dessa mesmo, a do Rádio Clube Português. Ela estava sozinha em casa - sozinha, salvo seja, estava com um filho e com a barriga do outro, o marido é que não estava - e precisou de ajuda para montar umas coisas que comprou no IKEA. Eu ajudei. No final ofereceu-me, simpaticamente, um café, que aceitei, em tom educado e forçando até uma certa simpatia, como retribuição. Sentámo-nos na sala a ver televisão. Vimos a SIC. Estava a dar a Gala do Rock...)
(Vizinha): Ai, eu gosto muito destes...
(Eu, nada surpreendido): Dos Delfins?
(Vizinha): Ai, sim... sempre adorei estes rapazes. Já desde quando eu ainda andava a estudar.
(Eu, na minha): Ah... pois. Eu não gosto muito...
(Vizinha): Ai, eu gosto. O vizinho é assim mais... barulho, não é?
(Eu, concentrado no café): Hum?... errr... bom, eu...
(Vizinha, explicativa): Pois, eu sei como é. O meu Manel também gosta dessas coisas assim. É os... ai como é que eles se chamam.. é os... aahm... ai, tá-me a faltar a palavra... ai, é os...
(
Eu, entediado): Pois, estou a ver...
(Vizinha, continuando): Ai, mas eu gosto muito dos Delfins... e o vizinho não gosta deles porquê?
(Eu, inexplicativo): Ah... nunca calhou gostar...
(Vizinha, insistente): Olhe, esta música, por exemplos... (trauteando, baixinho, de modo a que eu percebesse a beleza da melodia)
"...naa-na-na-naaaa.na... naaasceee selvaaaaagem..."... está a ver? É bonito ou não é?
"...de ninguééém...éééééémmm...éém... de ninguém..."... Tão bonito...
(Eu, menos inexplicativo): Está a ver... como é que eu hei-de explicar?... Não é muito o meu estilo... essa letra... isso é muito...
(Vizinha, adivinhativa):...bonito!?
(Eu, ligeiramente perturbado):... não.
(Pausa. Talvez a tenha melindrado... Eu e a minha boca... O meu sentido crítico não deve ser aplicado em ocasiões de sociabilização delicada - tomar nota.)
(Continuação da pausa. Ambiente um tanto embaraçoso. Ena, que barrigão que a mulher tem! Chiça... Já deve estar grávida há quê?... há uns... catorze meses, pelas minhas contas. Que raio de animal estará ela a gerar ali dentro?... O melhor é ir bebendo o café.)
(Conclusão da pausa. Os Rádio Macau entram em palco.)
(Eu, quebrando o silêncio): Olha... os Rádio Macau. Não sabia que esles também entravam nisto.
(Vizinha, desdenhosa): Ah... estes era um bocado drogados, não eram?... Ouvi dizer que eles se drogavam. Ela e tudo... humpf...
(Eu, nervoso...razoavelmente): Bom, talvez... eu prefiro ouvir as músicas, sabe?...
(Vizinha, contra-atacante): Ai, sim... gente drogada deve fazer umas belas músicas, sim senhor...
(Eu, perdendo a compostura): Sempre são melhores que os Delfins...
(Pausa).
(Vizinha, amesquinhando): Ai, que bonita letra... (cantarolando)
"Já não há nada de novo aqui... Debaixo do sol" Tem... muita poesia.
(Pausa)
(Vizinha, deteriorando as relações do condomínio): Olhe, e continua...
"Já me persegui por becos e saidas... Mas que horror, caminhos sem saída..." Bonito, sim senhor... e uma boa rima, já viu?
(Eu, visivelmente transtornado, mudando de conversa): Quando é que nasce?
(Vizinha, desapontada): Quando Deus quiser...