Tentem compreender
Ser artista, às vezes, é chato. Não é chato tipo "man, ganda chatice ser artista", é mais aquela onda de "vocês estão a misinterpretar a cena, não era bem isso que eu queria dizer". Estão a ver? Não é fácil explicar. É para isso que a onda do feedback faz falta, e não estou a falar do feedback hendrixiano, nem tão pouco do feedbackismo contemporâneo, tipo Sonic Youth e isso. É o feedback mais naquela de ter retorno. Por exemplo, eu digo uma cena e vocês dizem o que é que pensam da cena que eu disse. É isso.
Isto vem à conversa porque fiquei um bocado desapontado com a reacção do público ao meu poema-manifesto-exercixorcismo Multidefinicionário Desentoplectualizador, i.e., o post imediatamente por baixo deste. Tipo, eu compreendo-vos, por um lado, uma vez que também eu, enquanto auto-espectador-leitor, tive dificuldades em interpretar as minhas próprias anti-palavras. Mas isso é natural. Agora, eu não me pus para aí a chamar-me "ó Guitarrista, tu deixa os smarties!" e "ó Guitarrista, essa erva estava manhosa, deixa de comprar no Martim Moniz!" e coiso. Tem que haver respeito.
É do conhecimento geral que o artista, enquanto criador-inovador, provoca reacções e desperta emoções. E que, ao fazê-lo, ou seja, ao depender da reacção final do seu interlocutor, perde o controlo sobre o resultado final da sua criação, uma vez que ela resulta, como diria Derrida, não do que o criador pretende, mas do que o receptor-intérprete reformula e desconstrói/reconstrói. É uma cena marada, mas é mesmo assim. Agora, não vale é chamar nomes, tipo "és um drogado" - e eu até já escrevi um texto sobre os drogados e as escalas de Richter e de Mercali para medir os drogados, aqui há uns tempos, não sei se se lembram.
E mais, digam-me lá qual é a vossa dificuldade em relação a tiradas como estas: "metantilinguisticamente isto é um analfexercixorcismo / de desaprendaprendizagem infrintelectincultopedagógica / - Sumário: / inanimação da castrolíngua anterior". A mim não só me soa bem como nem sequer me deixa grandes dúvidas. Acreditem, pá, eu, se pudesse, dava tudo para ser como
este rapaz aqui deste texto sobre o concerto, assim, feliz com aquilo que faz, plenamente compreendido pelo público. Eu serei sempre marginado pela vossa falta de compreensão. Quem tem razão é também o
Bom Selvagem: querem cultura? Para quê? Vocês não sabem o que hão-de fazer com isso...