Critérios...
1.
Acabo de ler uma peça estranhíssima no Y. Coisa estranha mesmo, uma reportagem a propósito do Rufus Wainwright, na Aula Magna, sábado passado.
O repórter (João Bonifácio) passa toda a reportagem a acusar, ainda que de forma contida e (tentadamente) velada, o Rufus de excesso de pose, excesso de narcisismo, depois diz que é excesso de mania e a seguir que é excesso de egocentrismo e fecha com um inacreditável excesso de não-sei-quê-porque-afinal o gajo safa-se porque, citando o próprio cantautor sobre fazer showcases, "olha, é melhor que trabalhar"...
O jornalista Bonifácio ia descrevendo as coisas com desdém e dor de cotovelo e eu ia achando piada, cada vez mais, à personagem de Wainwright. Não o conheço, confesso. Mas agora estou curioso acerca do gajo. E o mais giro é que se nota um fascínio tremendo do jornalista pelo músico - ao ponto de supor e pressupor frases que o músico não chegou a dizer mas que "poderia ter dito".
2.
As pessoas têm um problema tramado em relação aos músicos-compositores (e, de forma geral, em relação aos criadores "populares"): acham que estes têm que ser puros. Até aqui, tudo bem. Só que as pessoas (algumas pessoas... Como o Bonifácio) confundem-se e deixam de saber definir pureza. Acham que um gajo que trabalha a pose e "molda a genuinidade" (ok, é mesmo eufemismo) deixa de ser honesto. Qualquer criador que estenda a sua inteligência à sua figura, transbordando da própria obra, é visto como um sem-vergonha que anda a enganar as pessoas e a ganhar dinheiro à custa dos tolinhos dos fãs. Porque, supostamente, os fãs são todos tolinhos e precisam dos jornalistas de música para lhes explicar o que vale e o que não vale. Obviamente um fã não pode "só" gostar de um músico. Com imagem e tudo. Tem que gostar de um músico cuja imagem corresponda ao seu perfil na vida privada, ao seu íntimo. Um músico valoroso, honesto e, de preferência, humilde. Qualidades como (sim, eu disse qualidades, não disse características) arrogância, egocentrismo, megalomania ou impetuosidade são automaticamente excluídas do perfil ideal do jovem criador de músicas. Um gajo só pode ser armado em estrela quando já andar a entediar plateias e a entupir prateleiras de Fnacs com Best Offs arrastados e letras de "mais do mesmo". Até lá, tem que ser uma "pessoa simples". Afinal, vale mais um Bob Dylan ou um Leonard Cohen decrépitos do que um Rufus Wainwright em pleno voo planado - não que os primeiros nos dêem mais prazer, hoje em dia; mas porque, por um lado, o segundo ainda é muito novo para isso e, por outro, os primeiros já contribuiram para a história da música. Além disso, muito eles fizeram pelas adolescências dos actuais jornalistas de música.
3.
Há muito tempo que ando a ficar farto desta atitude. Quando pago bilhete para um concerto, espero entretenimento. E se adoro a genuinidade típica dos grungers dos 90's, não gosto menos do flirt cerebral de Beck em cima do palco ou do show-off circense de Marilyn Manson perante uma multidão. São formas de entrenimento diferentes, com músicas diferentes, de músicos diferentes e com intenções estéticas diferentes. As estrelas não se pedem pelas sapatilhas.