Memória
Quando eu planava sobre a audiência transformado em distorção revoltada, o povo vibrava. Eram os tempos dos
Riverside Boys Got a Boat (RBGB) - o nome, aparentemente ridículo e descabido, não fazia mais do que ilustrar a nossa realidade irrecuperável: putos a crescer nas margens de um riacho, como se crescêssemos à beira de um Danúbio olhado pelo Kusturica; um dia arranjámos um barco. Resolvemos imortalizar esse dia dando este nome à banda.
Os
Riverside Boys Got a Boat eram diferentes de tudo o resto. Nós não tocávamos. Nós entrávamos pelas guitarras e baterias adentro e sentíamos a nossa própria destilação de adrenalina, a batida incontida de corações limpos e enérgicos, a desmesura de pulsações em uníssono em direcção a um abismo do mais puro rock. E o povo aclamava... BRUÁÁÁÁÁÁÁ... e a gente arrepiava-se e zuz, 1,2,3,4...
"Microsize boys / sometimes just get tired / of oversized drinks / now we drink shots on fire"... e as miúdas repetiam
"Microsize girls / sometimes just get bored / of overdrunk boys / who just wanna be adored"... e as miúdas, claro, adolescentes como sempre, como se essa fosse uma condição eterna e viessem a pairar assim, por sobre o planeta, para sempre projectos inocentes de mulheres a razar a perfeição... a beleza dos 14, 15, 16 anos... as miúdas deliravam. Se eu me ajoelhava num solo frenético de uma escala alienígena que já não consigo atingir, tentavam dar-me beijos, puxavam-me a t-shirt, a guitarra, a primeira parte de mim que apanhassem. Normalmente eram os cabelos. Nessa altura eram bué de compridos.