Querida Guitarra
quarta-feira, novembro 24, 2004
  Outono
Nós, os artistas criadores, em geral, e os músicos criadores, em particular, vivemos de forma peculiar. Tendemos a encarar isto de estar vivo como uma construção cósmica que se revitaliza e rejuvenesce através das pequenas mortes, dos fins temporários, da decadência pontual. Somos uma espécie de ano terrestre e criamos as nossas obras no meio de estações providenciais à nossa existência, ou seja, a natureza cícilica da nossa vivência permite-nos A Criação - porque vemos, absorvemos, acumulamos vida, amealhamos morte e, num acto trágico, catapultamos a nossa intimidade transtornada, sob a magna forma da obra de arte, para a multidão medíocre que vive no real. E isso é A Vida Abstracta que vos permite a todos, ó ímpios da contemplação, sobreviver à vida concreta. Normalmente, não nos compreendem. A não ser passados uns anos, quando as editoras resolvem fazer colectâneas de inéditos por alturas do Natal e, então, tornamo-nos famosos e idolatrados, gerando estranhos êxodos e/ou romarias às nossas sepulturas baratas, assinaladas com lacónicas lápides de "eterna saudade dos teus pais, filhote querido", em cemitérios de classe média-baixa.



A verdade é que somos obrigados a sobreviver, sanzonalmente, a eras de auto-destruição. Não é menos verdade que a ingestão regular de drogas duras, o sexo vertiginoso e sem protecção, as sobredoses de álcool e as armas de fogo carregadas nos embaciam os sonhos de glória por estas alturas. Tornamo-nos zombies na conquista do mais baixo patamar de humanidade: a tal "sobrevivência". Claro que sabemos que este é apenas um meio para atingir o fim maior e que só assim seremos capazes de superar esta grilheta pesada da mortalidade.

O que é certo é que, hoje, bem como ontem e anteontem e outros dias antes desses e mais outros que estão por vir, tenho tido uma vontade grande de me despedir de vós. Fechar a porta de casa, comer um Cremoso Danone, sentar-me na cama, apagar a luz. Espremer o gatilho com todo o amor que sinto por mim e deixar-me esvair rumo à vossa saudade, descendo pelo ralo estreito e sujo da finitude, pela latrina nunca desejada do meramente corpóreo. Sujar a fronha da almofada com o combustível que vos permitiu que me amassem.



Queria, por isto, e antes que mais tarde seja tarde demais (e, se eu renascer desta vida, hei-de voltar alegre, eufórico, gigante!), deixar alguns cumprimentos calorosos - é Outono e é Outono em toda a parte, incluindo no meu quarto e na minha cabeça. O estômago, esse, encheu-se-me de folhas castanhas e quebradiças. Foram folhas de plátanos.



Para os meus amigos, aqueles que são meus irmãos, não apenas os que o são no sangue, mas na existêcia: um abraço sem dedilhados, em power-chord com overdrive pesado e flanger ligeiro. Até ao feedback final...

 
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