Milene e Seus Três Homens (parte I)
"Se gosto que me venerem?... Sim, é simpático."
(
Milene, diva, baixista e vocalista dos Milene e Seu Três Homens)
Há duas coisas férteis em amor e desgostos de amor: a adolescência e o submundo dos artistas rock.
Quando falo da Milene não o faço com as palavras todas que a sua existência exige. Não tenho palavras que cheguem para uma criatura tão potente e duvido que haja palavras suficientemente belas para descrever uma personificação tão poderosa da perfeição.
A primeira vez que vi Milene foi num concerto no Tanga's, um bar nos arredores da escola secundária. Na altura, a banda chamava-se "Nome Curioso". Tinham um nome curioso. Tinham bateria, guitarra, teclas, baixo e, claro, a voz e a presença e o espaço ocupado e o ar inspirado e expirado por Milene. Apaixonei-me. Devia ter catorze anos. De certeza que tinha catorze, estas coisas ficam bem marcadas. Eu sei que tinha catorze. Ou quinze. Após o concerto, resolvi que ia fazer três coisas: acompanhar todos os concertos dos "Nome Curioso" até conhecer a Milene; aprender a tocar guitarra; e a terceira é íntima. Só posso adiantar que tem a ver com a inocência e que tudo tem um fim, incluindo a inocência, e que a Milene era uma das personagens principais nesse assunto, contracenando comigo, assim num ambiente escaldante, provavelmente num bando de trás do seu Fiat Uno, que na altura era novo e até tinha auto-rádio. A Milene era três anos mais velha que eu e já podia ter carta de condução e Fiat Uno.
Acompanhei Milene e a sua banda durante sete meses, uma semana e três dias, até que a consegui conhecer. Apresentaram-me. Deu-me um beijo na cara, as minhas hormonas reagiram e ela riu-se. "O puto tem pinta". Virou-me as costas. Um objectivo cumprido. Entretanto, em sete meses e tal, já tinha aprendido os acordes básicos, algumas escalas simples e uns dedilhados janotas. Pouco tempo depois, a minha vida mudaria: à entrada do Bloco C, no qual eu tinha a maior parte das aulas, um cartaz de aspecto gastro-punck anunciava em garrafais "PRECISASSE GUITARRISTA!!!". Percebi que era da autoria da Milene... Por alguma razão, já conduzia um Fiat Uno e ainda andava no 10º.
Fui ter com ela. Olhou-me, riu-se e exclamou bem alto "Olha o puto. Tu és giro, puto... és virgem?" Riram todos, riram muito e as cervejas continuaram a rodar. Mas não me fiquei. "Por acaso, sou", respondi, severo. "Mas podemos aprofundar o assunto", completei. Os músicos dos "Nome Curioso", que dedicavam cada minuto da sua vida a adorar Milene e a segui-la para toda a parte (menos para o WC das raparigas, que era proíbido... mais ou menos), levantaram-se e aproximaram-se de mim. Um pôs-me a mão no peito, outro soprou-me fumo à cara. Já me preparava para resistir, lutando. Mas Milene irrompeu pelo meio do gang, afastou-os, pousou a sua mão no meu ombro e disse "Como é que te chamas mesmo?"
Duas semanas depois, surgia uma nova banda e eu era o seu guitarrista. "Milene e Seus Três Homens". O baixista e o guitarrista dos "Nome Curioso" saíram, protestando contra a minha entrada na formação. Milene ficou com o baixo, embora num formato a lembrar Sid Vicious ao vivo... Quando demos o primeiro concerto, três meses mais tarde, no Tanga's, já eu tinha uma opinião formada acerca dos bancos de trás do Fiat Uno.
(continua)