Querida Guitarra
quarta-feira, dezembro 15, 2004
  Milene e Seus Três Homens (parte II)
"Um ícone, eu?!... UMA ícone! UMA!"
(Milene, diva, vocalista e baixista dos Milene e Seus Três Homens)


Eu estava habituado a ser visto como objecto estranho, nos tempos da secundária. Ouvia Sonic Youth, enquanto a esmagadora maioria do pessoal se dividia entre a nostalgia rimbaudista dos Doors, a modernice inestética rock-star dos Aerosmith e a senilidade quadrada e repetitiva dos Stones. Havia umas aves raras que andavam numa de ser punks e tinham correntes, cães fora de prazo, xámon e vinis dos Sex Pistols. Eu até curtia mais Clash, mas era outra onda. E só tive uma cadela, gorda e lustrosa, que não sabia andar de monociclo. Eu não era punk, eu era diferente. Também havia malta, tipo os "meninos", que curtiam os R.E.M, e isso até nem tinha nada de mal. Mas também não era muito positivo e o look Michael Stipe era um bocado duvidoso. Porém, não me vou alongar para não dizerem que sou politicamente incorrecto. Não quero relacionar o aspecto do Mickey com o Tom Hanks no Filadélfia.

Abreviando, eu era um excluído. Por vontade própria e por inevitabilidade. Era um inadaptado. Não daqueles tipo James Dean, rebelde sem causa; eu era mais um subversivo sem importância. E as pessoas estranhavam-me. Na maior parte dos casos, porque sempre que reparavam em mim, sentiam que era a primeira vez que o faziam. Nunca cultivei muito a cena do"ser popular" e acho que as pessoas tinham dificuldade em memorizar a minha pessoa de então - por um lado é bom, porque assim tenho um passado limpo.

Foi, portanto, uma novidade para toda a escola quando o povo começou a dar por mim enroladinho na escultura da Milene atrás dos balneários. Aquilo eram beijos bué de sérios que a gente dava. Havia dias em que chegava a casa até me doíam os maxilares inferior e superior, os malares e o estômago, tal era força com que ela me sugava a língua (cheguei a ter aftas, derivado destas nossas aventuras pré-sexuais...).

E a escola assistia sem reacção: eu, o puto esquisito, a degustar toda aquela fartura e sem partilhar com ninguém. A nossa relação ia ganhando contornos cada vez mais sérios. Eu até acompanhava a Milene nos tempos mortos em que faltava às aulas de Português e íamos para o Tanga's beber sangria, fumar cigarros e ler a Bravo na versão alemã. Eu não percebia uma palavra de alemão, mas ia percebendo quais as estrelas mais importantes da música da época porque via as fotografias e associava às bandas que apareciam no Clip Clube. A Milene também não percebia uma sílaba de alemão, mas parece-me que não se ralava com isso das bandas nem via o Clip Clube. Ela era mais de olhar para as fotos do Richard Dean Anderson, do Luke Perry, do Bon Jovi ou do Axl Rose, que era tudo rapaziada bem cotada na bolsa das paixões das adolescentes.

Tipo, a dada altura a minha personagem já tinha peso no eco-sistema escolar específico. Os meus seis anéis passaram de aberração a estilo; o cabelo desgrenhado, de foleirice a revivalismo paleolítico; os all-star rasgados, de sinal exterior de pobreza a imagem de marca. Penso que, de alguma forma, acabei por contribuir decisivamente para a implantação da imagem e do culto "grunge" na Europa Ocidental - já disse isto numa entrevista ao Blitz.

Para reforçar a minha ascensão meteórica no universo sócio-estudantil, os Milene e Seus Três Homens granjeavam novos fãs em movimentos cada vez mais expressivos. Aos poucos, o nome Nome Curioso varria-se da memória musical colectiva, sendo substituído pela nossa designação poderosa. Cada concerto nosso era um marco na história das vidas daqueles teenagers sem ídolos. E esses ídolos iam nascendo aos poucos, íamos sendo nós: os rapazes suspirando por Milene; as raparigas fazendo de mim um ícone de uma geração. Havia quem gostasse das nossas músicas.

(continua)
 
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