Querida Guitarra
terça-feira, dezembro 21, 2004
  Milene e Seus Três Homens (parte III)
"O que é que eu acho do amor?... Bem, das vezes que fiz curti e quero repetir... Mas nunca digo desta água não beberei."
(Milene, diva, vocalista e baixista dos Milene e Seus Três Homens)

Quando comecei a contar a história da minha passagem pelos Milene e Seus Três Homens e da minha relação com Milene, a diva, durante esses tempos remotos e saudosos, comecei por advertir os leitores para o seguinte: "há duas coisas férteis em amor e desgostos de amor: a adolescência e o submundo dos artistas rock". Ora, esta história retrata, de uma só vez, a intromissão de um adolescente no sub-mundo do rock e a experimentação de drogas leves, bem como os primeiros contactos com bancos de trás de FIAT's Uno. E não estou a falar de viagens.

Portanto, podem concluir os mais sensíveis que a melhor atitude a tomar é interromper de imediato a leitura deste texto. Vai tudo acabar em drama, tragédia, revoluções interiores, pequenas vinganças, alguma violência física, grandes desgostos, o fantasma da separação eterna, um último charro depois de umas últimas carícias íntimas, sangue nos lençóis, duas luxações - uma em cada cotovelo -, anti-depressivos, e, por fim, a separção da banda, cada um para seu lado. E o baterista suicida-se, mas não quero tirar o suspense.

Regressemos à época em que o sucesso dos Milene e Seus Três Homens não parava de crescer. Entrámos em tournée pelos concelhos de Oeiras, Amadora e Cascais. Tínhamos um público diversificado. Aparecemos num cantinho do Blitz, vinha eu e a Milene na foto, a dar um beijo em palco: "O beijo do futurismo electro-rock-romântico", titulava o repórter. Éramos elogiados. Principalmente a Milene. E é aqui que tudo muda.

Se alguém se interrogou, alguma vez, por eu nunca ter falado do Gonçalo Frota (não, não é aquele gajo grande da Quinta das Celebridades...), pois é esta a explicação: Milene. E, garanto!, os editoriais e crónicas desse amiguinho, no Blitz, haveriam de me ter rendido pelo menos uns dez ou doze textos. Mas não. Eu, aos meu inimigos, não escrevo mal deles nas costas.

Antes de nos separarmos, eu e a Milene, decidimos aproveitar uma última noite - o Frota nunca soube, mas pode saber agora; ele visita o blog, às vezes. Enquanto fumávamos uma últmia ganza, depois de...do... hrum... Milene confessou: "não é que eu não goste de ti, miúdo. Mas estas cenas são raras... as oportunidades, 'tás a ver?" Eu continuava, mas vocês já perceberam a ideia. O preço da fama, do rock e da adolescência: buracos no coração.

A história do baterista é mesmo verdade, suicidou-se. Rui Freire, se quiserem confirmem no arquivo de identificação de Lisboa. Peçam o registo da autópsia, está lá tudo: "hemorragias internas várias resultantes da ingestão de objectos pontiagudos e/ou cortantes". Eram pontas de cordas de bronze, que ele cortou em pedacinhos com um alicate e comeu, em seguida. Aparentemente ele também andava com a Milene e não suportou que ela se tivesse apaixonado pelo Frota.

Mas Milene acabou também por pagar caro o seu sucesso fácil. Não sabem?... Eu conto. Eu hoje falo de tudo, que há coisas que não se podem guardar para sempre. A Milene estava grávida do baterista, mas não sabia. Mas depois soube, porque a barriga lhe inchava e pronto, estas coisas têm sempre explicação. O Gonçalo Frota não gostou de saber que não era o pai da criança e saiu de casa - eles já estavam a viver juntos, nos Olivais Sul, num T1 miserável, quarto andar sem elevador, ou coisa assim (ah!, a "fama", dizia ela...). Sem dinheiro, sem amigos, sem instrumentos, sem banda e sem Frota, Milene temeu pelo seu futuro. Decidiu desmanchar o que o bateria fecundara com tanta paixão - e que poderia ter sido criado por matéria minha! A operação correu mal e Milene foi encontrada duas semanas mais tarde, sobre a cama ensanguentada, com um espeto na mão direita e o rosto, já tolhido e em putrefacção, mas denotando arrependimento e conservando a expressão congelada de um último olhar aflito. Não nasceu ninguém e duas pessoas morreram - a fama, eis o seu preço! Entretanto, Gonçalo Frota subiu na vida e hoje assina com o nome todo, em vez das iniciais por baixo dos trechos mal copiados a partir da agência Lusa.

No funeral de Milene, a diva, conversei com os membros que restavam dos Nome Curioso. Fizemos uma jam's, mais tarde, e bebemos cervejas. Tempos depois, pouco restava de toda esta tragédia. A vida avança, as pessoas evoluem, crescem, às vezes esquecem. Mas, se há imagens que ficam, a de Milene apagada é uma delas. O rosto, semi-reconstruído e sem vida, simbolizando o vazio que veio ao mundo quando o espeto que segurava na própria mão a esventrou com violência, raiva e desespero. Ser um ídolo não é fácil e nem todos somos fortes.
 
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