Querida Guitarra
terça-feira, dezembro 14, 2004
  Ora... o grunge
(Versão comentável... espero eu.)

Tenho recebido diversas mensagens - e sob diversas formas, do sms ao e-mail, passando pelo fax e pela carta registada - a dizer "ó Guitarrista, tu que és cool e sábio e tens influência e fama, intercede por nós: o Eurico Monchique foi abusivo nas suas observações sobre o grunge antes e depois de Cobain na última edição do Y, esse suplemento esquizóide do pasquim que acompanha o Inimigo Público". E eu aproveito para responder a todos de uma assentada: não, não foi. O gajo até esteve muito bem, com rigor, imparcialidade e uma visão distante que se aconselha a qualquer jornalista de música.



Vamos por partes. O Eurico (eu conheço o gajo, está bem? Pronto.) escreve um texto acerca das edições recentes da "box" multiusos de Nirvana, da qual constam inéditos, raridades e outros eteceteras vendáveis na altura do Natal, e da colectânea "best of" de Pearl Jam 1994-2004. Até aqui, tudo bem, até porque o Eurico (o gajo é fixe, a sério, eu posso tratá-lo por Eurico, na boa, tipo, por "tu", mesmo...) assenta a sua perspicaz análise no balanço dos 10 anos pós-Cobain, que ele considera, e com razoável tino, 10 anos pós-"grunge". Entenda-se "grunge" como fenómeno, e não como estilo musical (ele explica e bastante bem, aconselho a leitura - para quem não sabe do que falo, aconselho o visionamento do documentário "Hype"; só para ilustrar, nesse filme os donos da Sub Pop, mítica editora de Seattle, saem-se com uma pérola para a história acerca deste fenómeno: "sempre fomos uma editora a fingir; quando os Nirvana apareceram e se tornaram estrelas, nós fingíamos ser uma editora milionária e não tínhamos um cêntimo; hoje, chegam aqui os curiosos e jornalistas e temos que fingir que somos pobres e desconhecidos, quando temos as contas bancárias bem atestadas e toda a gente conhece a Sub Pop em todo o lado").



E diz o Eurico que os Nirvana e, especificamente, o Kurt Cobai, criam o "grunge" enquanto fenómeno massificado. É verdade e é incontestável. Venham cá falar de Mudhoney, Green River, Mother Love Bone, Soundgarden... Quem é que os conheceria se o power-trio de Olympia não tivesse um dia assinado pela Geffen? Got the point?

Posto isto, trata o Eurico de elogiar a capacidade criativa de Cobain&Friends - reparem que, em 5 anos de miserável existência, os Nirvana terão deixado mais músicas para a posteridade do que qualquer outra banda da sua geração, mesmo aquelas que tiveram maior longevidade... tipo Pearl Jam. Got it?



O Eurico, que é um rapaz atinado e bem informado, ainda se dá ao trabalho de classificar bandas em neo-grunge (período de grande efervescência no período imediatamente após o suicídio de Cobain: Smashing Pumpkins, Stone Temple Pilots, Helmet, etc.) e "new"-grunge (período de revivalismo que tem um boom no final dos '90s: Nickleback, Three Doors Down, Puddle of Mud e outras ofensas auditivas semelhantes). O Eurico vai mais longe e considera como positivas as neo-grunge, o que é legítimo e justo - falo por mim, que adoro STP ou Smashin, bandas que me influenciaram imenso. O Eurico menciona mesmo, no contexto "grunge", bandas como Mudhoney, Alice in Chains e Soundgarden (eu gosto de algumas coisas, mas, em termos de expressão, são infinitamente inferiores a Nirvana, Pearl Jam ou mesmo Smashing Pumpkins), dando-lhes a importância que merecem: estavam no lugar certo à hora certa e faziam música de boa qualidade, pelo que a vaga os apanhou também. Contudo, não sejamos inocentes: sem Nirvana, nunca (atrevo-me mesmo a dizer NUNCA!) chegaríamos a ouvir em Portugal qualquer uma destas três bandas. Da mesma forma que, decerto, não ouvimos (nem nunca ouviremos) falar de milhares de outras pérolas espalhadas pelo enorme país de onde estas vieram. Se têm dúvidas, pensem num caso paradigmático: quantos de vós tinham ouvido falar de Jeff Buckley até à sua morte (prematura, é certo)? E este até era filho de gente famosa (Tim Buckley). Após a sua morte, deu-se um (pequeno) boom "buckleyano". É natural, acontece quase sempre. Hoje, Jeff Buckley é mais um jovem santo de pau no altar do rock'n'roll. Com mérito? De certeza. Com influência? Nem tanto (se bem que os Muse vão lá beber muita águ... vodka ou coisa assim).

Voltemos a Cobain: aquele tiro na cabeça foi uma bênção para a revitalização dos movimentos musicais vigentes que, de uma só vez, ganharam o seu mártir e garantiram o estatuto de um som que tem origem numa fusão ambígua (e com muitas variáveis...) entre punk-rock, garage-rock, hard-rock e heavy-metal. Não era fácil, numa altura em que as coisas variavam, ao nível do mainstream, entre o pop mais banal de Madonna e Michael Jackson e o hard-rock consagrado de Guns'n'Roses. Para além disso, aquilo que era um culto (o "grunge") tornou-se uma moda. O Eurico também diz isto e eu concordo com ele.

Até aqui, não tenho grandes dúvidas: Cobain e Nirvana não foram influentes; foram antes fundamentais! A um tempo: fecundadores, parteiras e coveiros do movimento mais importante da música mundial desde os tempos da Madchester. E é assim que nascem os mitos. Mais: é escusado tentarem matar mitos como este. É simplesmente demasiado tarde.

O Eurico continua e é nesta continuação, que marca o final da sua mui-positiva e certeira análise, que a agitação cresce - demonstrando que, felizmente, nem tudo em Portugal era Nirvana e há por aí muito Pearl Jam, Soundgarden e Alice in Chains; a diversidade é saudável e podemos aprender uns com os outros... o que não podemos é atribuir importâncias erradas às coisas só por causa do nosso gosto pessoal. Há que distinguir o que gostamos do que tem peso e influência quando se faz uma análise (como foi o caso) do que marcou uma geração e do que significam estas edições no panorama actual.

O Eurico classifica a "box" de Nirvana (três CD e um DVD, contendo inúmeros inéditos, versões alternativas, ensaios, home-movies, etc...) com um honroso mas distante da perfeição 8/10. E, em seguida, classifica o best of Pearl Jam com um 7/10, alegando que a banda de Vedder e Gossard é "esforçada" mas que lhe falta "vitalidade". Se querem que vos diga, concordo. Comparando a inspiração de uma e de outra banda, os Nirvana estão uns degraus acima. São mais puros, mais rudes, mais naïf e mais "sonoros". Confere. Se um leva 8/10 numa caixa que acrescenta novidade, os outros levam 7/10 numa edição que traz mais do mesmo - coisas que, provavelmente, toda a minha geração até tem lá por casa, ora em CD, ora em versões da velhinha cassete pirata... Got it? Eu votava no Eurico Monchique para primeiro-ministro, digo-vos já. Eu até o trato por tu...
 
Comments:
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