Querida Guitarra
quinta-feira, março 17, 2005
  As canções de amor
"I love you baby / na-na-na..." - assim pode começar qualquer bela balada, a contar mais uma história de amor. Com azar, chegará ao nº1 dos top's nacionais, terá grande destaque nas playlist's das rádios para os jovens e será banda sonora de anúncio de telemóvel ou cerveja verde.

Eu gosto de algumas canções de amor. Porém, não compreendo a busca incessante do ser humano musical, sempre a remexer as sonordiades atrás de mais uma maneira de cantar o amor. E eu pergunto: haverá mais alguma maneira nova de dar melodia a esse estado apático-anárquico que é estar apaixonado? E pergunto mais: conseguirá um apaixonado, no seu estado apático-anárquico, compor uma canção com pés e cabeça?

As melhores canções de amor são aquelas que doem. E essas tais que doem não dizem "I love you baby". Quanto muito, dizem "I loved you baby". São aquelas feitas de memórias dolorosas que vão despertando num gesto sincronizado com o levantamento do estado de paixão. Uma vez desapaixonado, o ser humano ressaca. Existe uma mágoa que se arrasta rente ao estômago. Não sendo fígado - e até pode ser, cada um mata a tristeza como pode... -, deverá ser vazio. Uma boa canção de amor preenche com palavras e notas o vazio que ficou.

O amor que se sente dificilmente pode ser reproduzido, mesmo que de uma forma artística. Ainda assim, não ponho de parte esta possibilidade. Pode haver gente que, no seu romantismo, e mesmo durante a paixão, consiga inspirar-se e transformar a emoção sentida em música que venha a sentir-se. Contudo, creio que, na maior parte dos casos, as músicas de amor que se escrevem nessas alturas são erros. Deve-se esperar pelo ódio, pela perda, pelo abandono, pelo rancor, pela vingança. Escrever uma canção de amor a frio não é um contracenso, é antes um acto de bom senso! Por exemplo, uma das melhores músicas de amor de todos os tempos é o "I Used to Love Her", dos Guns 'n' Roses. Sendo básica, conta uma história como deve ser. E, mesmo não sendo de amor entre duas pessoas (a personagem morta não é identificada e o agente da acção supõe-se que seja o Axl Rose), tem o seu quê de paixoneta que deu em fogacho e acabou mal. É natural. E é honesta.

A boa canção de amor não tem um final feliz. Por exemplo, o Roy Obinson canta canções muito engraçadas, mas vazias de conteúdo. Ouça-se o Pretty Woman. A boa canção de amor exige reflexão, não pode surgir de um acto espontâneo do tipo "ai, estou tão apaixonado, vou fazer uma cantiga para a minha amada". Não. Vejam no que resulta: João Pedro Pais, Anjos, Oasis, Bon Jovi, por aí fora, até chegar ao José Malhoa.

Mas, admito, também há o outro lado da questão: existem canções de amor escritas depois do affair que resultam muito mal. Vêm doridas mas dói muito mais termos que as ouvir. De repente e sem grande esforço, lembro-me do Rui Veloso: "Tu eras aquela / que eu mais queria / p'ra me dar algum conforto / e companhia / era só contigo que eu / sonhava andar / e até talvez quem sabe um dia / poder casar / ai, o que eu passei / só por te amar..."

A canção de amor padece de muitos males. Um deles é o próprio amor, como já vimos; outro é o Rui Veloso, e também isto já foi documentado. No entanto, acrescento mais um: a dificuldade de inovar. Que nova melodia pode sustentar uma canção de amor? Eu, que sou um criador vanguardista, inovador, experimentador, temo a canção de amor. Contudo, e como prova de que me disponho a arriscar e tenho uma mente aberta, escrevi uma bela letra de amor. Estou a trabalhar na melodia, mas, para já, fiquem com a ideia do que deve constar do lirismo-amoroso-cançonetista:

"Fogo Posto

no tempo em que eu vivia
em permanente tentação
teu peito não correspondia
pois não tinhas coração

ou melhor, tinhas
mas este não era teu
era fruto de um transplante
de outro que era de um gajo qualquer que teve um acidente de mota e morreu

e eu ficava triste aos montes
tu só me causavas desgosto
por isso te dei um tiro nas fontes
e fui a origem do fogo posto

em que ardeste em lume agreste
na tua casa à beira-mar
com labaredas azul-celeste
que ainda me deixam a pensar

será que tu quinaste logo
assim que eu te espetei o tiro
ou será que ainda respiravas?
Isso não seria muito giro.

As queimaduras doem muito
mas tu também me fizeste sofrer
Amélia, como eu gostava de ti
embora não fosses grande mulher

eras um bocado larga de ancas
e parece-me que tinhas celulite
embora fosses simpática
respiravas mal, era da bronquite

mas eu amava-te mesmo assim
com toda a tua imperfeição
e ainda hoje, quase duas semanas depois do fim
da nossa bonita relação

eu te amo
eu te amo
eu te amo"
 
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