Crítica ao crítico
Nem sempre a relação entre músicos e críticos de música é saudável. Os motivos podem ser vários. Mas tudo assenta sobre um pressuposto: a perspectiva de cada um.
Nem sempre um crítico é bem formado. Muitas das críticas que se lêem ou ouvem não são devidamente fundamentadas. Para além da (aceitável) dificuldade que um crítico, como qualquer outro ser humano, tem em distanciar-se do criador e concentrar-se na obra criada, criando assim o espaço de manobra mental suficiente para partir para uma análise rigorosa, pertinente e imparcial do objecto, existe a falta de informação. Quantos críticos carregam - tanto pela negativa como pela positiva - sobre uma criação sem saberem bem do que se trata e o que pretende? E não falo no enquadramento da obra numa perspectiva de "elemento" de um conjunto vasto na criação de um autor ou grupo de autores. Falo na contextualização do objecto num determinado estilo ou corrente estética. Será disparatado, por exemplo, criticar os Ramones por estes fazerem músicas com apenas três acordes, melodia constante, bateria fácil, baixo estático e 2 minutos de duração. Pois se é (era...) precisamente esse o objectivo dos Ramones: canções directas, rígidas, melódicas, rápidas e cheias de enregia. Da mesma forma que será descabido criticar uma morna dizendo que a música é mole: é isso mesmo que se pretende, um som chorado e arrastado. Contudo, nem sempre os críticos levam isto em conta.
Já há algum tempo que ando para escrever sobre este assunto. Tudo por causa de um caso concreto que aconteceu há cerca de dois anos atrás, penso eu.
Os críticos também têm os seus fãs. Em Portugal, os adeptos da música celta, por exemplo, são devotos do Fernando Magalhães, do Público/Y. E os ouvintes de jazz também lhe prestam alguma atenção. É natural. Embora eu não perceba nada de música celta e entenda muito pouco de jazz, acredito que a formação e conhecimentos de Fernando Magalhães lhe permitam boas avaliações, criticas e reportagens dentros destes campos da música.
Voltando ao "há cerca de dois anos atrás", terá tido o editor de Cultura do jornal Público a muito infeliz ideia de destacar Fernando Magalhães, reconhecido especialista em sonoridades atrás mencionadas, para a cobertura do Festival Galp Energia, no falecido Estádio de Alvalade. Quem souber do que se trata, pode bem recordar o cartaz, repleto de som pesado, entre o trash e o nu-metal, com alguns picos de heavy-metal e o qualquer-coisa-metal do Marilyn Manson.
Nessa altura, Fernando Magalhães escreveu nas páginas do conceituado e "de referência" diário nacional cobras e lagartos sobre o evento. A mensão aos répteis podia até ser justificada pela localização do espectáculo. No entanto, Magalhães não pegou por aí. Preferiu antes descrever todo o ambiente como sendo "selvático e animalesco" perante um palco onde "uns zurravam, outros grunhiam". Quanto ao recinto, que esteve longe de se encontrar repleto, era "uma espécie de arena. Parecia que tinham aberto os portões do jardim zoológico".
Este episódio serve apenas - e não querendo aqui duvidar da qualidade de Fernando Magalhães enquanto jornalista e crítico de música, dentro da sua especialidade - para ilustrar a inadequação do crítico ao criticado. Aliás, segundo opiniões que ouvi de gente que assistiu ao festival em questão, assistiram-se a óptimos concertos com excelentes actuações dos artistas contratados. Ou seja, Magalhães não estava à altura do desafio. Provavelmente, a culpa nem deve ter sido dele. No entanto, exige-se de um profissional sério (e com tempo de antena...) que saiba distinguir o "eu odiei, nunca pagaria para ver isto" do "isto é uma animalidade, esta gente é toda grunha". Por vezes, não acontece assim. Às vezes o crítico é que é paraquedista e não tem bom senso. No fundo, e dando sequência à nomenclatura animalizada, faz figura de urso.
PS - Este post é dedicado ao crítico disfarçado que se tem feito notar nos comentários. Eu conheço o seu tom de escrita. Mas devia melhorar o português.