Querida Guitarra
segunda-feira, abril 18, 2005
  Melhor diálogo do fim-de-semana
(featuring O Bom Selvagem, aka OBS)

BS: Então Guitas, o que estás a tocar?

Guit: Hum? Não estava a tocar nada, pá, estava a dormir... Isto é um descontrofone...

BS: Descontrofone?

Guit: Iá. Toca-se assim, ó. Fui eu que inventei. O som que produz descontrai e faz-te adormecer. Queres experimentar? Põe as mãos assim.

BS: Assim?

Guit: Hum, pois... Não tens lá muito jeito para a música, pois não?... (pausa)

O que é que queres ser quando fores grande?

BS: Eu gostava de ser escritor e ganhar um globo de ouro. E tu?

Guit: Eu gostava de ser baterista... Eheheheh, estava a gozar. Para que é que queres um globo de ouro? Isso não é caro?

BS: O do Nicolau Breyner estava partido, o que me leva a crer que são ocos e de pechisbeck. (pechisbeck escreve-se assim?)

Guit: Acho que se escreve pechisbeque. Se calhar o Nicolau sentou-se em cima do globo... Mas para que é que tu querias um? Ganha-se globos de ouro a escrever livros?

BS: Não, o Nicolau ficou aborrecido dele estar partido. Deve ter sido o Herman. O Lobo Antunes ganhou um globo ontem. Eu estava a ver aquilo à espera que ele dissesse um disparate. Disse uma coisa engraçada, que cito agora de memória: «é suposto um escritor estar à frente do seu tempo por isso este reconhecimento em vida pode ser mau sinal mas muito obrigado ao senhor Francisco Pinto Balsemão» e foi-se embora. Fiquei eufórico!

Guit: partiram o globo ao Nicolau... Tchhhhhh... Tu achas que estás à frente do teu tempo, suponho. Um escritor deve confiar naquilo que escreve, deve sentir prazer quando lê o que escreveu e se sente um leitor entusiasta de uma bela escrita... É assim uma espécie de onanismo intelectual, uma coisa virada para as letras, mas com o seu quê de auto-satisfação. No fundo, é fazer sexo de cabeça contigo mesmo, não é? Foi o que ouvi dizer... Eu é mais música.

BS: Essa coisa do onanismo aplica-se àquela pequena escrita burguesa do escritor de domingo. A minha euforia advém da prova de que ao homem livre acaba por perdoar-se tudo, desde que não cometa crimes que lesem os outros. Olha o Frei Luís de Sousa era incrivelmente ácido para com a igreja e no entanto pagavam-lhe! Podes dizer, escrever ou cantar o que quiseres, quanto mais louco fores, mais vão gostar de ti, hoje, ou amanhã, mas de preferência hoje. O mundo morre de amores por se reconciliar com quem o rejeita, chegando mesmo a torturar e queimar quem não o quer. Olha, o Kurt Cobain, a Jean D'Arc ou o José Saramago.

Guit: Ah, pois. Faz sentido. (pausa pensativa)

Achas que se se descobrisse uma auto-biografia do Salazar passaria a existir uma possibilidade de reconciliação entre o povo português e o homem? Uma espécie de reintegração na sociedade imaginária dos portugueses? Um "Querido Líder", mas em morto, anti-comunista e escritor. Imagina, uma coisa em que ele desabafasse que tinha sentimentos e arrependimentos e medos e isso. Não falo numa reabilitação completa, que é demasiado tarde, mas numa alteração na perspectiva do povo. Embora neste caso seja o povo que o rejeita, e não o contrário, como no caso do Saramago. Mas também para castigo puseram-no a viver lá em Lanzarote... Dantes era no Tarrafal.

BS: Claro que sim, mais do que possível, essa reconciliação com Salazar é inevitável. Se pegarmos em Napoleão e escamotearmos o facto de ter causado a morte a centenas de milhar de pessoas e destruído a França, o que é que fica? Fica o Napoleão e a Josefina numa mini-série melodramática na TV. Como o Hitler e a Eva Brown. Fica... o Homem. Igual a nós. E mais te digo, Guitas, verás que quanto ao Salazar, já começa a ser reavaliado há muito. Para já é tido como «inevitável» e «factor de estabilidade» e que o que estragou tudo foram os últimos anos. Como com Cavaco. Os velhos dizem-nos "viva o 25 de Abril!" e querem que festejes com eles e eu digo-te, o 25 de Abril foi um dia e um dia só. O resto é fantochada. A liberdade dos filhos de Abril é uma democracia corrupta, políticos incompetentes, demagogias, populismo, consumismo frenético e endividamento. Aposto que, e paradoxalmente, os que vêem o 25 de Abril com mais amargura terão sido os que nele participaram, os únicos que foram cristalizados nesse dia: os Capitães de Abril. Devem olhar para o mundo de hoje e pensar «foi para isto?»

A verdadeira liberdade só faz falta a elites que têm algo a dizer: é um luxo. A maior parte das pessoas só quer trabalhar, viver, amar, ter algum dinheiro, paz, segurança e amor. Não pedem mais. Salazar deu-lhes guerra e fodeu-se por isso. Foi esse o motivo da revolução, não foi o não podermos dizer o que nos apetece. O chavão que ficou foi da liberdade. O homem só está feliz na servidão, seja a um líder, seja ao trabalho ou ao status, seja a Deus. O homem precisa de obedecer. Como um cão.

Guit: No fundo, o Homem comum é apenas uma variante canídea, de facto. És um bocado reaça, tu... A seguir vais dizer que o que fazia falta era o Telmo Correia a liderar o CDS. Por outro lado, acho que tens uma opinião gira. Eu olho para o meu povo auditivo, por exemplo, e o que eu vejo é sede de subserviência. Isto é gente que quer é encher os ouvidos com uma merda qualquer e dar à cabeça, a fazer assim, todo esguedelhado e andar com roupas a fingir que são velhas e que só por isso é que estão rotas. Tu sobes a um palco, ligas o microfone e eles dão-te tempo de antena: são submissos. Levantas o chinelo e põem-se logo de rabo para o ar. Dizes senta e eles dão-te a pata. Acham que isso é rebeldia que os conduzirá à libertação mas, no fundo, o que têm é defice de inteligência, pelo que existe uma falha de comunicação. Se quiseres que eles se sentem, gritas "dá a pata!" e fica tudo resolvido. É uma questão de saber lidar com eles. É como com o Salazar e o povo e o 25 de Abril e isso... era a mesma cena.

BS: Exacto, daí que nos teus concertos eu prefira ficar cá atrás, agarrado a um whisky, observando a multidão que se agita só para te mostrar que estão agradados. E também para dizer às miúdas que as posso apresentar a ti. Mas não me confundas com um "reaças". Sou muito menos reaça do que um Fernando Rosas. Eu dou armas de arremesso a sério e dou-as às elites, não ao cidadão comum que não sabe nem quer pensar. Estas últimas eleições nos EUA provaram isso mesmo. Nem o maior poder de Hollywood, das artes, do rock e da Pop pode mudar os resultados das eleições. Não se mudam as pessoas quando se querem mudar as pessoas. No máximo, podemos agregar pessoas em nossa volta, pessoas que se revêem em nós, e podemos assim subjugar os outros, nem que seja numa maioria absoluta no parlamento ou um fenómeno de moda. As pessoas comuns só gostam de quem lhes diz aquilo que elas idealizam que são. Dá-lhes isso e venderás discos. Foi isso que Lobo Antunes quis dizer quando recebeu o Globo de Ouro... Foi... cordial. Daí que cada vez mais dê valor ao «quero que os portugueses se fodam» do João Cesar Monteiro. Morder a mão que te dá de comer é a suprema liberdade.

Guit: Eu acho que o João César era meio chalupa. E mal educado. Os portugueses pagaram-lhe 120 mil contos para fazer um verdadeiro film noir. Do primeiro ao último minuto. Quero que o João César se foda, que deus o tenha e guarde, mas quero mesmo. O artista é um escultor de mentes e gostos. Um todo poderoso, mas no mau sentido, digamos assim. Eu sou um tirano! Quando me dá na gana sacar feedbacks insuportáveis, é como se pegasse na chibata e açoitasse violentamente a audiência, como se fossem escravos e eu senhor. Só que com barulhos e grunhidos. É um bocado animalesco, por acaso. Mas o povo auditivo gosta, paga bilhete e eu ganho o meu. Além disso sou famoso, o que é porreiro. Os meus pais têm orgulho em mim, não se importam que eu me drogue e dá para cortejar miúdas e até copular com elas, quando calha. É o poder da cena. Essa é que é essa. É a ditadura do prazer auditivo.

BS: Eu acho que a única coisa de jeito que o João Cesar Monteiro fez foi ter dito esse «quero que os portugueses se fodam», só porque os portugueses se aborreceram mesmo muito com ele. A casa da música custou 10 vezes mais do que o orçamentado, demorou mais 4 anos e anos e vai ser obliterada pela sede do bpn e... olha-me as mamas daquela gaja... Não olhes agora! Não olhes agora!... Agora olha, agora....

Guit: Maaaaaaaaann... Uh baby... Que bonito serviço! Aquilo também é arte, não? Se a Branca de Neve é arte... Eheheheh...

BS: eheheh aquilo é que é arte... Nós fazemos arte para ter acesso àquela arte ali... Aquilo é Deus. Ohhh... Virou a esquina... Bom, estava a falar do... Era do Benfica?

Guit: Whatever... O Benfica é sempre a mesma pôrra... De qualquer maneira, já vamos em quase 9 mil caracteres e isto é um blog, não é uma epopeia. A gaja era mesmo boa... Queres experimentar o descontrofone?
 
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