Querida Guitarra
sexta-feira, abril 15, 2005
 
Para assinalar o aniversário, pedi a um crítico sério que fizesse uma crítica séria a um concerto a sério. Estou a falar a sério.


Lua de cerimónia
- os Tuxedomoon vistos por Vareta Funda

Há por aí gente a fazer muito boa música porque gosta muito de a fazer – é aquele talento da necessidade, visceral ou emocional, de transmitir qualquer coisa sólida, própria, e com maior ou menor valor. Neste campo, inscrevem-se muitos dos “meus grandes nomes”, dos meus artistas de eleição. Mas não são estes que hoje me interessam.

Há por aí pouquíssima gente a fazer muito boa música não pela necessidade de transmitir mas pela necessidade de procurar. Claro que a esta pouquíssima gente não são atribuídos discos de platina ou prémios da indústria. Isto é aquela gente “marginal” que se apropria seja do que for, desvirtua ou revirtua ou mascara tudo aquilo em que pega e procura construir uma linguagem que não nos é estranha mas que é nova. Neste campo, que eu me lembre de momento, inscrevem-se quatro dos “meus nomes grandes”: Laurie Anderson, Anette Peacock, a saudosa Penguin Café Orchestra e… os Tuxedomoon.

Anteontem, graças a duas boas pessoas, fui ao Fórum Lisboa para o concerto dos Tuxedomoon. Não fazia ideia do que me iria esperar: só tinha ouvido uns bocadinhos aqui e ali do álbum “Cabin in the Sky”, de 2004, e de álbuns anteriores só conhecia uma ou outra faixa em compilações (o “No Tears” e as diversas versões do “In a manner of speaking”). Conhecia, sim, as aventuras a solo de Steven Brown e de Blaine L. Reininger, autores, um e outro, de assinaláveis pérolas: “Searching for Contact”, do primeiro; e “Night Air”e “Byzantium” do segundo. Ou seja, a minha expectativa era quase virgem, como muitas das noivas de hoje em dia. Ia ali para ouvir. E ouvi.

Blaine Reininger, na voz, violino e guitarra; Steven Brown, na voz, teclados, clarinete, sax soprano e tenor; Peter Principle no baixo e programações; Luc van Lieshout no trompete, harmónica e feliscorne; e um tipo qualquer a filmar aquilo tudo com projecção em tempo real no grande ecrã do Fórum Lisboa. Os ingredientes não são muito incomuns, o som esteve quase irrepreensível, haviam condições para um bom concerto. Mas não foi. Não foi mesmo.

Um bom concerto é uma coisa agradável, de que se sai reconfortado ou excitado mas satisfeito e apaziguado. Felizmente, os Tuxedomoon não deram um bom concerto. Foi um concerto de interrogação e de procura, construindo melodias e linhas de baixo pulsantes para depois as destruírem ainda em harmonia mas num cânone oposto, como quem afirma que a música é assim e é bonita e é justa e é boa mas porque é que não há-de ser diferente? E foi diferente. Mais do que agradável, foi sublime – e quando acabou ficou não a tranquilidade mas a inquietude e a dúvida quanto ao que de repente parecia ser o atraso estrutural de muita da música que gosto de ouvir.

Há por aí muita gente que “experimenta” musicalmente: experimentam as “sonoridades electrónicas”, experimentam “linguagens do jazz”, experimentam uma “abordagem próxima da música concreta”, experimentam a “construção de novas atmosferas sonoras” e há quem experimente até a “integração da herança de Liggeti”. Os resultados quase sempre são desanimadores porque se parte para a experiência sem premissa de base e sem objectivo. Felizmente, os Tuxedomoon não “experimentam”: apenas constroem novas hipóteses musicais que vão legando desde 1977 a quem as quiser experimentar.
 
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