Se eu tivesse um conjunto pimba
Chamar-se-ia qualquer coisa do tipo Cães da Pradaria ou Pau de Canela ou Cabidela Saborosa ou assim. Não sei. Estou com falta de imaginação para um bom nome. Talvez Esperança na Voz caísse bem. Depois haveria: um baterista, um guitarrista ritmo, um baixista, um teclista de bigode, camisa aos folhos, chamado Armando, a vocalista era a Vânia Alexandra com um dos incisivos de cima meio ratado pelas cáries e a faltar-lhe um molar de cada lado, vitimados que haveriam de ter sido pela mesma praga, e a usar dois fiozinhos de ouro a saltitar de um amplo decote que denunciaria uns peitoriais volumosos, porém pouco firmes, com ar deslavado de uma pele sem nobreza, porventura uns mamilos diminutos e mal rosados na ponta dos seios gordorosos... Já estou a divagar. A Vânia Alexandra havia de usar vários anéis de pechisbeque em cada dedo de cada mão e, para estar na moda, um piercing no sobrolho e uma tatuagem de um golfinho tísico na omoplata direita. Como não havia de gostar do nome, Vânia Alexandra apresentar-se-ia artisticamente chamada Jenny Tatiana. O toque estrangeiro dá sempre um ar de sofisticação à coisa, juntamente com os calçõezinhos de lycra, as meias de renda larga e as botas a meia canela. Seria assim mesmo: Jenny Tatiana e os Esperança na Voz. Tocaríamos em bailes da pinhata e tudo o que fosse festividade veranejante, de Portimão a Chaves, sempre pelo interior, com as escarpas das serranias incluídas. Uma Toyota Hiace, arrumava-se a bateria, comprava-se uma geleira, metia-se os intrumentos lá para dentro, encafuava-se o Armando e respectivo bigode dentro do bombo. O teclado ia no tejadilho. Conduzia o baixista. Nos descansos deste, assumia o baterista. Eu tratava da Jenny Tatiana e respectivo decote, no banco de trás, entre o baixo e os pratos de choque. Em tempos de fome não se desdenha o que vem em fartura. Às refeições, alinhávamos o set. Que iria assim:
"Jenny Tatiana e os Esperança na Voz - AO VIVO!!! nas festas da Nossa Senhora do Desespero da Beira-Baixa, no Fundão, 4,5,6,7,8 e 9 de Agosto, com o patrocínio do Talho do Mário, Café Central, Café do Chico e restaurante O Come Bem:
-Leva-me contigo, amor
-Quero ir à feira de Carcavelos comprar um casaco de peles como um que eu vi num filme
-Esse perfume não cheira igual ao meu, andas-me a enganar Tozé
-Vem comigo, amor
-A minha primeira vez foi tão bonita mas engravidei, malvada de sorte a minha
-Adeus mãe, vou pr'apanha do tomate, p'rós arredores de Badajoz
-O anel que me deste fica-me largo, andas a pensar na outra
-Fomos num Fiat Uno ver o mar à Caparica
-Foste de férias a Bragança e regressaste diferente
-Ó, meu Deus, como eu amo o Tozé e ele deixou-me p'ra ir viver com a outra, que cheirava bem
-Se eu tivesse filhos, chamavam-se todos Fábio
-A traição dói muito, amor"
Para o encore ficavam os três singles do álbum da Discossete intitulado "O mar azul, da côr do céu - o amor é uma labareda ardente":
-É este ano que vamos ao Gerês, amor?
-Meu coração só tem teu nome lá dentro: ORH - Orlando Ronaldo Hermínio
(que no refrão ia assim "Orlando, Orlando / meu amor chama-se Orlando / mas também lhe chamo Ronie, diminutivo de Ronaldo / e ele gosta de vez em quando")
-Sábado à noite fomos ao baile da Virgem do Adeus e estava lá a outra, a que cheira bem
Aaahhhhh... Não sei se não gostava de ter um conjunto pimba e uma Toyota Hiace.