Querida Guitarra
terça-feira, junho 28, 2005
  Correio dos leitores
Escreve-me, da Carapinheira, Ildebrando Jesus. E diz assim, a propósito do post "Sobre o ser humano III", de 23 de Junho, dia de S. João:

"Ná, não colhe. Repara que a questão da responsabilidade não é, aqui, despicienda. As pessoas que te aplaudem são, elas próprias, humanas e sujeitas aos mesmos processos. No momento da combustão, elas sentirão o calor, compreenderão o conceito de combustão e aceitarão (ou não) a sua morte em face do conhecimento que têm dos efeitos desta (combustão, claro). É a combustão que as mata, não és tu. É a combustão - e o ancestral medo que a acompanha - que lhes servirá de epitáfio, não a tua actuação.

A solução para o teu problema começa na escolha do local: o estádio da Luz é grande demais. Uma sala mais pequena será necessária, tipo Santiago Alquimista, ou assim. Começas por ingerir uma quantidade razoável de explosivo plástico C-4 (um quilo ou dois devem chegar) e um detonador controlado via rádio. Posto isto, e porque se deve cuidar dos detalhes, sobes para uma plataforma elevatória e começas um dedilhado suave e melodioso (um leve chorus e algum delay são recomendáveis) que obrigue as pessoas a baixar a guarda, colocando-as em estado de receptividade absoluta a todas as sensações que virão. Em seguida, desces a plataforma elevatória (contigo em cima) sobre um recipiente amplo cheio de azoto líquido (-153º C) que te congelará instantaneamente. O horror da assistência por te ter perdido será indescritível e absoluto, concentrando nesse momento toda a sua capacidade sensorial. Como se trata de um processo que não apresenta a tua morte como um facto irreversivelmente consumado, haverá tempo para o passo seguinte, enquanto o público tenta ordenar e integrar conceitos, eliminar hipóteses e concluir que acabaste em definitivo. O último toque será a detonação do explosivo em ti, projectando partículas sólidas e congeladas de ti em todas as direcções, como minúsculos projécteis que matarão toda a gente na sala. Aos olhos das pessoas, crescerás por uma fracção de segundo, até entrares literalmente por elas adentro. A desintegração do teu corpo será o remate definitivo, a afirmação cabal da tua morte. Para a tua assistência, tu terás morrido para elas (porque foi à sua frente), com elas (porque morrem em simultâneo) e nelas (os pedaços de ti que se alojam nos seus corpos etilizados). Por Cristo, com Cristo e em Cristo, na unidade do Espírito Santo - a Santíssima Trindade invertida, o artista que oferece a sua Divindade tácita ao público, no supremo sacrifício que é a morte. Morrem santos, finalmente reconhecidos/investidos das qualidades divinas que procuraram durante a sua vida e logo pela mão daquele que indevidamente divinizaram. Moisés regressado da Montanha e denunciando os falsos Deuses criados pelos Homens, mas com a abnegação adicional de se denunciar a si próprio, expiando o seu pecado ali mesmo e recolocando o Homem no seu lugar da Criação."

À parte o facto do sr. Jesus me tratar por tu, como se tivéssemos andado juntos na escola da Abrunheira, achei bonita esta missiva e decidi publicá-la. Obrigado Ildebrando.
 
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