Cum cuarago, ganda ciena man
O cheiro a criolina não enganava ninguém: mais meia-hora de idas constantes ao WC e a intoxicação antecipar-se-ia ao estado de embriaguês profunda - que aliás viria a revelar-se agravado pela inalação não só do aroma mictocriolínico, como também pela aspiração de fumos nocivos (havia fogo nos arredores de Sta. Maria da Feira. Cheirava a carapaus assados. Flora esquisita a do distrito do Porto...). O bar é giro: um rés-do-chão dançante com uma escadinhas descendentes. Lá em baixo, na claustrofobia de uma cave com uma multidão fumegante, estava o palco. Pequeno. Quente. Abafado. Em cima do público. Debaixo do chão. No meio de uma nuvem de xámon.
Como é que eu sei isto tudo? Ora... eu estive lá.
Vi e ouvi, a pouco mais de 70 palmos - dos pequenos - a estreia absoluta de uns rapazes etiquetados de Under... Annnn... rerdo... espera... Un-re-tro-fied. Unretrofied. Lê-se "fáide" e não "fide". Bonito nome. É é difícil de pronunciar, embrulha-se assim "annnrerdorf...", não é fácil de dizer. Mas soa bem. O som deles não é fácil de definir. Digamos que se trata de uma fusão entre o que de mais industrial existe e aquilo que de mais natural e selvagem subsiste: um misto entre rugidos de leão desafinado misturados com o som melodioso de um martelo pneumático sem sentido rítmico. À parte isso, são bons rapazes e ainda vão a tempo de repensar o rumo a dar à carreira. Talvez dá-la por finda não fosse uma opção a descartar. Têm perfil para a queda meteórica, isso posso assegurar - quanto à ascensão... E não deixa de ser curiosa a capacidade que tiveram de homogeneizar todo o som, da primeira à última música: não se percebeu uma única nota. Julgais que exagero? Pois perguntai a outras testemunhas. Nota: 1/10.
Seguiram-se os esforçados e nostálgicos "late eighties/early nineties" King Buzz. A criatividade e o feeling esbarraram inevitavelmente numa tentativa sempre exagerada de teimar que o Kurt Cobain ainda é vivo, ainda tem 18 anos e, acima de tudo, compõe para eles. É uma pena. Com a garra que mostram, a concentração que denotam e o trabalho que se nota que têm - para além do bom gosto em certos detalhes de arranjos das músicas -, estes King Buzz poderiam, caso construíssem uma personalidade criativa mais independente e vincada, impressionar o público. O concerto não foi mau, longe disso. Uma voz afinadinha, atitude simples mas dedicada, uma baixista a dar o toque e... o ponto fraco: um baterista ainda à procura do norte - rapaz, o norte é aí. Orienta-te... Ainda assim, um caso a rever com mais calma, noutro ambiente. Nota: 5/10.
Depois dos Buzz, subiram ao palco os Feromona. Banda já conhecida destas andanças e do meu afiado e exigente espírito crítico, deram nas vistas pela estreia do baixista que, com apenas 2 semanas (4 ensaios) com a banda, se empenhou e brilhou durante a curta actuação - apenas 7 músicas. O calor prejudicou-os, mas a prestação foi eficaz e, em certos momentos, o empenho rendeu dividendos. Mustang e Latina Woman distinguiram-se. Porém, o encerramento com a instrumental-psicadélica Big Crunch haveria de colher os louros, um rabo e duas orelhas. Rabo, no bom sentido, claro. Pelo pouco tempo em palco (cerca de 40 minutos), sou obrigado a ser avarento com a nota deles: 9,8/10. E nem pensem recorrer da avaliação!
A fechar uma tarde barulhenta à brava - old school, meus amigos, old school -, treparam as tábuas da arena os Diana Jones and the Vietnam Whiskey Dancers. A Diana Jones não pôde vir, ficaram apenas 4 bailarinas de olhos em bico com uma garrafa na mão de cada uma. Dançaram pouco mas tocaram muito. E bem. Pena que a voz tenha estado no limite do volume (uns decibéis a menos, perceber-se-ia muito melhor). De resto, pouco ou nada há a apontar. A tarde estava ganha. Pela equipa do Sul, nitidamente. Nota: 7,5/10.
Claro que, depois de uma tarde de absoluto domínio do distrito de Lisboa, a malta da casa revoltou-se. Houve violência. Ainda assim a sessão de chapada e pontapé foi mais calma, melodiosa, rítmica e audível do que o concerto dos Annn... Un... der...torf... dos primeiros. O Porto é uma nação. De rastos.
-'Tás a chamar mouro a quem?
-Larga-me, cuarago... já chiega, man...