Enganos ao vivo - pregos sobre as tábuas
É por esta altura que o público já bufa. O desespero apodera-se de quem está à espera, lá em baixo, com as luzes apagadas, os cigarros em consumo acelerado, já há poucos trocos para as cervejas surradas e em copo de plástico, a banda de abertura just sucked e isso. Nisto, há alguém que diz
"epá, 'tou sem ganza". É o pânico. O grupo entreolha-se, estupefacto, embora ninguém veja mesmo a cena do grupo a entreolhar-se estupefacto porque as luzes estão apagadas e o pavilhão Carlos Lopes é escuro tipo... assim tipo qualquer pavilhão coberto que tenha as luzes apagadas durante a noite. Alguns lá atrás começam com ondas humanas e há quem grite, como se fosse uma claque de futebol,
bi-shit-grunf bi-sirley-gnorf e a gente, que ainda anda pelos bastidores - a gente diz
backstage, mas aí o povo auditivo é meio ignorante -, ia a dizer que a gente não percebe muito bem o que é que o povo auditivo presente quer dizer com aquilo, uma vez que o nome da banda é
Vícios Amorfos.
"Bifes a montes?" pergunta um segurança de palco.
"Era os da primeira parte? Gandas palhaços...they suck... bluuuuuuurghhhh" O seu modo de comunicar causa espanto entre as hostes musicais. A malta - os artistas - têm sensibilidade na cena da comunicação e isso.
"Como é que é? Entra-se ou não?" "Espera aí, ainda falta o Jonas" "Ainda?! Dasssse...". O Jonas era o baterista. Estávamos todos sentados nos degraus à espera que o Jonas saísse da retrete.
"Aquilo é crise?" "Não. Enganou-se, pá. Foi à pochete da namorada para lhe sacar os drunfos e afinal o que apanhou foi o Dulcolax..." Isto é verídico. Malas de gaja, já se sabe.