Músicos freak
João Aguardela é um homem sem escrúpulos! Agora anda com essa da Naifa, lá com os amiguinhos dele - aquele podre dos Despe e Siga, o como é que ele se chama?... o Varatojo, esse mesmo. Ordinário... Pior! Esse tal Varatojo até chegou a homenagear a Sandra, naquela música, A Festa, uma remodelação tuga de uma música qualquer estrangeira, provavelmente espanhola e ainda mais provavelmente chamada Fiesta - na música ele cantava qualquer coisa como "E a Sandra com o seu acordeão / dá os acordes do refrão / (...) e estava eu mais a Maria / e uma garrafa de Casal Garcia / (...) venham daí rapaziada / começa a festa não tarda nada". E agora vejam lá onde anda a Sandra com o seu acordeão. Não vejo ali festa nenhuma por perto. E há quem diga que, em vez do Casal Garcia, agora bebe-se é Casal da Eira, daqueles de pacote que as mães usam para temperar a comida. A Sandra mal come, olhem para aquela figura. Ela, que dantes era uma matulona valente - pudera, acartar com um acordeão e passar hora e meia aos pulos ao lado do doidivanas do Aguardela, dá caparro, toda a gente sabe - agora, pousada ali na esquina do Meskal, parece um farrapo, uma velhinha andrajosa, uma rapariga curtida pelo sol e pelo vinho e pelas noites ao relento a alugar o corpo e a tocar os botões do instrumento como se fosse uma pessoa ceguinha como aquele senhor que toca o pífaro com teclas ali na Rua Augusta, que atira uma só nota por compasso para não se confundir porque tem que ir tacteando no teclado para descobrir se as notas estão certas ou erradas. Normalmente estão erradas. O fim dos Sitiados foi o fim da Sandra e o início da decadência do seu acordeão. Cada vez que passo por ela, até tenho pena, coitada, a tirar a buchinha da alcofa, pão rijo que mete dó!, e a trincar aquilo com os dentes que lhe sobram... Aquele Aguardela mete-me nojo...