Pelos destroços da noite anterior
Tudo vem da música. É a música que nos faz mexer. Seja num jogo de snooker com armas secretas, ao ritmo de um kizomba manhoso - depois admiram-se que eu perca os jogos... -, seja a um balcão elegante, ao som do jazz, a beber "bebidas com duas bolinhas" (ginja) e a comer "azeitonas marroquinas" (errrr... ginja).
A forma como a música chega até nós também importa e condiciona toda a maneira de senti-la e de nos emocionarmos com ela. Uma música contemporânea, limpinha e banal que passa no auto-rádio é diferente de um álbum da colecção pessoal, escolhido ao fim da tarde de chuva - escolho o Emoh, do Lou Barlow, que muita e boa companhia me tem feito ultimamente (um dia destes, escrevo sobre o Emoh e sobre o Barlow) -, enquanto comemos castanha de cajú e tentamos perceber como é que se acumulou tanta loiça suja um pouco por toda a cozinha (ele há coisas...). E esta audição é substancialmente diferente daquela que nos surpreende, por exemplo, quando entramos num bar que desconhecemos, num sítio que desconhecemos, cheio de gente que desconhecemos e começa a passar uma música daquelas que faz parte da nossa colecção pessoal. Então, prestamos muito mais atenção àquela faixa que, de tão familiar, já nos passaria despercebida numa audição caseira. Porém, neste bar do desconhecido, a música ganha a força e a vitalidade das primeiras audições e somos capazes de nos alhear de tudo o que está à volta só para a ouvir bem. Por mais que lhe saibamos todas as curvas e dinâmicas.
Agora, diferente mesmo - especial, diria - é ouvir qualquer coisa de irreconhecível, praticamente indecifrável, debitada pelos primórdios da tecnologia. Um gramofone ao fim da noite, um prodígio do bom gosto e do engenho, cantando uma música sem etiqueta a velocidades variáveis. É preciso é dar à manivela.