Eurovision Song Contest - a lesson for the future
O que aconteceu, sábado à noite, no salão interior do Estádio Olímpico de Atenas, foi um momento histórico. Não estou a gozar nem a exagerar. Subiu ao palco um grupo de finlandeses, vestidos de monstros que eram qualquer coisa entre o gore, o assustador e o risível, a tocar qualquer coisa entre o heavy metal de uns Iron Maiden e um sketch de Monty Python. Atenção, digo isto com todo o respeito pela música que levaram, que estava bastante aceitável e foi muitíssimo bem interpretada.
Ora, estes finlandeses, de seu nome Lordi, que cantaram um tema intitulado Hard Rock Hallelujah!, não foram a Atenas apresentar o seu último trabalho. Foram antes participar na final do Festival Eurovisão da Canção ou, melhor dizendo, Eurovision Song Festival - não faz muito sentido pôr isto em português, já que Portugal tem neste evento uma participação tão diminuta quanto ridícula (e cada vez mais o termo "ridículo" se adequa àquilo que a representação portuguesa vai lá fazer - as Nonstop, com os seus quatro ou cinco pares de belas pernas, mais não fizeram que limitar-se a mostrar os seus atributos físicos: azar, nem sequer nesse ponto eram das melhores; resultado: não passaram da semi-final; quem quiser perceber porquê, procure mais em baixo a letra da sua canção, Coisas de Nada - explica muita coisa).
Voltemos aos Lordi. Também eles foram à semi-final, a tal em que as Nonstop foram humilhadas à boa maneira da participação portuguesa (últimas edições, pelo menos). E, surpreendentemente, os Lordi conseguiram ser apurados para a final. Este facto, por si só, causou estupefacção e alguma indignação no nosso já clássico Eládio Clímaco. Dizia ele, ao apresentar a canção, que "eles são... peculiares... ah-ah... mas o telespectador que veja e que tira as suas próprias ilações". A verdade é que, no meio de pastiches de Christinas Aguileras e Shakiras, Celines Dions e Ricky Martines, os finlandeses ganharam. Leram bem: ganharam. Hard Rock Hallelujia conseguiu uma votação estrondosa que superou, de longe, as guerrilhas taco-a-taco entre simpatias geo-políticas do costume: quase todos os países atribuíram os 12 pontos ao tema dos Lordi - de tal maneira que, ainda faltavam votar 6 ou 7 países e os finlandeses já somavam quase 300 pontos. "Já não se compreende os gostos do público" desabafava, incrédulo, Eládio Clímaco. "Que os jovens apreciem, eu ainda compreendo...", acrescentava o velho apresentador. "E pronto, está visto vão ganhar... é inacreditável" quase se enfurecia a voz que há anos nos relata fielmente o que se passa e não se passa e até o que poderia passar-se sobre o palco da Eurovisão. Perdão, Eurovision.
Talvez ninguém tenha percebido, no sábado, o que estava a acontecer ali. Todos tinham cumprido escrupulosamente a cartilha do som eurovisionista, versos quadrados, versões de uma frase, bem orelhudos, umbigos à mostra, músculos bem tratados, vozes mais ou menos afinadinhas. Alguns tentaram ser originais - os Lituanos, por exemplo, levaram uma música que dizia qualquer coisa, num refrão bem-disposto e provocatório, "we are the winners of Eurovision" num tema que se destacou pela fuga à banalidade vigente -, outros, como o representante bósnio, deixaram a sua marca pela competência demonstrada na aplicação da fórmula, no rigor da interpretação e no trabalho que tiveram. Mas, de uma forma geral, não passou de um desfilar de bocejos entre os revivalismos dos Abba, as cópias da Britney e, pasmem-se, até alguns esforços mal acabados de imitações do 50 Cent. Ou seja: ninguém ousou. Ninguém, não. Os Lordi ousaram. E o público mostrou que está farto do que é previsível, quadrado e sem paladar. Parabéns aos Lordi. Resta-me acrescentar que, em Portugal, caso os Lordi TIVESSEM AUTORIZAÇÃO para concorrer ao festival RTP da Canção, teriam, como destino, o último lugar. Para não dizer que não passavam da semi-final... Talvez alguém possa ter aprendido alguma coisa com este desfecho.
E assim se acabou a noite, com os mostrengos finlandeses a regressarem ao palco, a receberem o troféu e a interpretarem, uma vez mais, Hard Rock Hallelujah!, antes de Eládio Clímaco usar a chave de ouro: "E pronto, senhor telespectador... assim, encontramo-nos para o ano em Reiquiavique". Combinado, Eládio. Afinal, daí até Helsínquia são meia-dúzia de quilómetros.
Para os interessados, aqui fica a letra da
música.