Músicos Freak - Special Edition
Se há coisa que me irrita é ter que trazer para este blogue pedaços da realidade. Acontece, simplesmente, que, por vezes, a realidade se apresenta tão estranha que mais parece a consequência lírica de uma dose adequada de LSD. Com esta introdução, bastava-me postar uma foto do Marilyn Manson de visita a um jardim-escola. Infelizmente, não consegui encontrar tal imagem. Em compensação, trago-vos um relato, presenciado in loco por mim e pelo Baixista Famoso, quarta-feira passada, no Cabaret Maxime, em Lisboa, durante o concerto de apresentação do novo trabalho dos Wordsong em torno das palavras de Fernando Pessoa - trabalho que aconselho vivamente (esqueçam as xaropadas à volta da poesia, com música em fundo: ali há rock, há pop e há outras coisas; a música é mesmo o fundamental, os poemas são o motivo da coisa; e saborear Pessoa dentro de um universo de música contemporânea é absolutamente delicioso; para terem uma ideia, existem até temas
radio friendly...). É claro que, dadas as circunstâncias, não pude prestar tanta atenção como gostaria ao concerto de Wordsong. Compreendam, é complicado uma pessoa concentrar-se em qualquer outra coisa quando, na mesma sala que nós, a escassos metros de nós, se encontram, em amena cavaqueira, entre gargalhadas, risinhos, cumplicidades várias e copos muitos, o Manuel João Vieira e, imaginem só, o Paulinho das Feiras (aka Paulinho dos Submarinos). Existirá dupla mais improvável neste país? Duvido. Só espero que não se juntem para fazer música. E, caso isso aconteça, espero que as letras sejam todas do Manel João. Se não já estou a imaginar refrães como "
coitadinhos dos reformados / que triste a vida que levam / com pensões tão pequeninas / e doenças, muitas doenças" ou ainda "
eu gostava de ser peixinho / e nadar dentro do mar / para ir ver os submarinos / e depois os ir comprar". Livra...
Manel João gosta de surpreender o seu público. Depois de aparecer acompanhado pelo Paulinho, promete fazer uma letra que não contenha a palavra "puta".
Paulo Portas trocou o Mercado da Ribeira pelo Cabaret Maxime. A entrada é mais cara e o ar é mais pesado. Mas ali o público, ao contrário do que acontece com peixeiras e floristas, faz os possíveis por não o reconhecer.
Foi na Primavera na América
Esta história tem alguns pormenores meio picantes e eu até tenho algum receio de a contar aqui. Por isso, não liguem muito a cenas que eventualmente surjam e contenham, por exemplo, sexo explícito, abuso de drogas, vernáculo reles ou, quem sabe, pessoas nuas no meio de um concerto. Às vezes acontece. Afinal, tudo isto existe, tudo isto é fixe, tudo isto é rock.
Nesta altura, eu estava muito bem na vida. Não era um guitarrista assim a caminhar para a decadência, como o sou hoje em dia. Era um gajo interessante, tinha pinta de rebelde. Não andava muito na droga. Fazia carradas de músicas. Quase todas me saíam geniais. Eu era genial. Tocava nos Unreleased Songs of Our Debut Album (USODA) e tinha fãs por tudo quanto é lado. Não é como agora que devem existir meia-dúzia de milhões de miúdas que ainda se lembram de mim. Confesso: assusta-me ver que o tempo passa e que vou ficando mais velho e que não tenho aparecido muito na televisão nem nas revistas.
Nessa Primavera de 2003, os USODA foram convidados para tocar num festival em Atlanta, na Georgia. Para quem não sabe, a Georgia fica na América. E não é todos os dias que um gajo vai tocar à América. Ver as americanas todas aos saltos e a gritar "Gui-ta-ruis-ta-Gui-ta-ruis-ta". Nessa época não me chamavam "guitas", como agora. Tinham-me respeito. E achavam-me sexy. Agora há algumas que ainda acham. Mas nessa altura eram multidões inteiras. Despiam tops e mostravam as mamas, essas coisas que se vê nos filmes dos Doors. Não as mamas. As mamas vê-se em qualquer lado. Mandavam-me roupa interior para o palco. Às vezes, era roupa interior bem gira que eu... Bom, não interessa.
O festival chamava-se Music Midtown Festival e tinha gente importante. Músicos importantes. Quase sempre bêbados. Sempre rodeados de mulheres. Às vezes andavam nus pelos camarins, elas também. Às vezes paravam nos corredores e embrulhavam-se uns com os outros e com as outras e era uma sensação, para mim, de que não percebia muito bem o que era aquilo. Pareciam cães. Então, fechava-me no meu camarim e bebia. Quando achava que estava pronto, ia para os corredores, também todo nu, e embrulhava-me com elas, enfiava-me nelas, fazia tudo o que me apetecia. Porque podia - quando um gajo é um músico respeitado, pode fazer quase tudo. Há quem cague em palco. Há quem faça tatuagens anti-cristãs ou anti-semitas. Há quem compre aviões ou faça piercings na ponta da pila. Eu do que gostava era de poder ir para lá e fazer sexo com qualquer uma sem me preocupar muito com isso. Nem elas se preocupavam. Elas queriam era disso. Entravam nos camarins e, ainda não lhes sabíamos o nomes, já estavam três de joelhos a desapertar-nos as calças. Eu nunca perguntava o nome. Queria lá saber. É tudo igual. Carne de gaja. Carne de gaja que quer foder com uma estrela do rock. E eu cumpria a minha parte. Como podia, claro. Nem sempre estava em condições para ser competente.
Durante o Music Midtown trataram-nos como os reis da música. É verdade que vendemos, só nesse Inverno, quase 2 milhões de cópias por lá. Mais meio milhão na Inglaterra. Cá em Portugal vendemos 30 mil e chegámos ao Verão em 12.º lugar de um top encabeçado pelo Tony Carreira, seguido de perto pelo David Fonseca. João Pedro Pais era o terceiro. No Outono já os Toranja andavam lá por cima - acabámos o ano em 28.º. Vá lá, mesmo assim foi uma maneira de a Isabel Figueira dizer o meu nome todas as semanas com a sua voz rouca e o seu decote de "mesmo a pedi-las". Dizia ela "a banda liderada pelo Guitarrista Famoso caiu mais um lugar esta semana". E eu pensava "aqueles cabrões daqueles Toranja e do palhaço do pais". Mas não dizia nada a ninguém. Agora digo e sei que eles não gostam de mim. Tanto me faz. Também não gosto deles.
Mas dizia eu que, no Midtown, nos trataram como reis. Claro, não pudemos dizer que éramos portugueses. "We come from Europa" e já chega, não vale a pena especificar. "Oh... do you speak english?" e a gente "yes" e pronto, a vida continuava. Perguntaram-nos que exigências tínhamos. E nós tínhamos exigência nenhuma. Olharam desconfiados. Havia uns, de outras bandas, que queriam tapetes vermelhos e pétalas de rosas no camarim. Outros, queriam as paredes pintadas de preto e polvilhadas com petasetas. Umas malucas, que vinham de Seattle e tinham pêlos debaixo dos braços gritavam com a organização "we want five bitches" e depois apalpavam-se umas às outras, lambiam as bocas umas das outras e riam, riam-se muito. Depois fumavam. E eu só pensava "caramba, temos que arranjar uma exigência qualquer". Pedi algum tempo para pensarmos no assunto. Disseram que sim. Reuni a banda e pusemo-nos a pensar numa cena qualquer excêntrica para exigir. Depois de muitas ideias meio banais, lá surgiu uma que aprovei - o que não espantou os outros, porque era uma ideia minha. "E que tal se a gente exigisse 5 bonecas insufláveis - uma para cada elemento - de 5 raças diferentes?". Gostaram da ideia, aprovou-se por unanimidade. A organização teve algumas dificuldades em satisfazer o pedido. Porém, compensou: quando chegaram as bonecas e nós entrámos com elas para o backstage, toda a gente parava a olhar. E eu estou a falar de malta importante. Os Stone Temple Pilots, que iam a caminho do palco, olharam e riram. E eu aproveitei e disse "Hi, Scott" e ele parou, voltou-se para trás, levantou os óculos e disse "scotch? Sure, man, give me a minute, I'll be right back". Não voltou logo, logo, logo. Mas ouvi dizer que o alinhamento ficou a meio e que o concerto durou meia-hora. Que lhe doía o estômago, dizia ele ao público. E o público queria lá saber disso. Tinham pago bilhete, queriam era gritar e abanar a cabeça. Mas o Scott não se compadeceu. Entrou-nos no camarim estava o baterista a experimentar a boneca. Bebeu-nos o whisky todo e, ainda por cima, exigiu experimentar todas mulheres de plástico. "I've never been with five different kind bitches" dizia. E nós fumávamos ou então comíamos umas cenas esquisitas com manteiga de amendoim.
News from your Idol and Guru
Guitarrista says he is on vacations, in a very very beautiful place, with bitc... beaches and mountains and loud music. Something like Jamaica but less expensive than Jamaica, because it doesn't have a Bob Marley's legend. Nor Bob Marley's t-shirts for sale, wich is quite pleasentable, in a way. Reggae absence is also welcome. Guitarrista says he loves you all and that he misses you and shit like that rock stars usually say to entertain their audiences. He says he would send you a post-card but unfortunately he doesn't know where you live. At least, not all of you. So, keep rockin', have fun, listen to good music and, don't you ever forget this: Guitarrista will be back soon. He always comes back. He hopes.
Porque só se faz 80 anos uma vez na vida
Mesmo quando já se está morto há 44 bonitas Primaveras.
Porém, já ouvi dizer que há coisas que nunca morrem.
Por isso... parabéns Marilyn.