Episódio com fã
Eu saía de um restaurante de fast-food - não vou dizer o nome, não posso fazer publicidade - num centro comercial. Isto passou-se no Colombo, este posso dizer. Aconteceu aquilo que acontece com frequência. Felizmente. Ia com o meu Big Mac na mão e vem uma fã direito a mim. O costume "ó Guitarrista, eu amo-te, dá-me um autógrafo, faz-me três filhos". Esta parte dos filhos já sou eu a inventar. Mas eu consegui ver que ela se sentia extremamente atraída por mim. Pena que só tivesse para aí 14 anos ou isso. Eu não vou para cama com miúdas de 14 anos. Há mais de dois anos que isso não acontece. E ela continuou, enquanto eu tirava uma semente de sésamo de um buraco que tenho aqui num pré-molar e por acaso preciso de ir ao dentista, "adoro-vos, vocês ("vocês" = The Greatest Monkey in Town) são geniais" e abraçou-me e deu-me dois beijinhos. Eu, que me estava a sentir altamente incomodado com a situação porque não conseguia comer e estava cheio de fome, disse "ena... obrigadinho. É só a zilionésima vez que me dizem isso. Se não fosses tu, eu andava aí deprimido e, provavelmente, na droga". Ela ficou parada, sem expressão, sem reacção, braços pendidos, olhar incrédulo. Virei-lhe as costas e fui-me embora.
Enquanto comia o Big Mac e bebia a Coca-Cola fui pensando na situação e na expressão da miúda. E, de repente, senti uma coisa estranha. Algo semelhante a compaixão misturada com arrependimento. Por que raio tinha eu sido tão brusco e indelicado com uma miúda simpática que só quis mostrar-me o seu apreço por mim e o seu gosto pela minha música? Então senti-me um sacana um bocado injusto e convencido. Senti-me mal. Pobre miúda. Nem sei o nome dela. Só queria um autógrafo, afinal de contas. Não queria um pedaço meu. Se calhar, até queria. Mas isso já...
Fui procurá-la. Apetecia-me voltar atrás no tempo até àquele instante e emendar o que disse. Trocar por algo do género "obrigado, és muito querida, como é que te chamas, toma, tchau, compra os nossos discos". Fazê-la um pouco mais feliz. Que raio, fui uma besta. Só consegui aumentar ainda mais a miséria e o sofrimento de uma adolescente cheia de acne, que ainda por cima tinha maminhas pequenas - as amigas na escola deviam fazer troça dela, de certeza. Eu faria. E era feia. Coitada.
Procurei, procurei, até que a encontrei, sentada a um canto, a mandar sms's, provavelmente - tinha o telemóvel na mão. Cheguei perto dela "ouve, querida, queria pedir desculpa por aquilo há bocadinho... não sei o que me deu". Olhou-me, e olhou-me profundamente, com os olhos ainda vidrados de quem chorou, olhou-me magoada e ressentida e fez-me um pirete com a mão "és um palhaço... parvalhão". E foi-se embora.