Querida Guitarra
quarta-feira, abril 26, 2006
  Ida ao cinema
Quando saio com miúdas curto bué fazer cenas românticas, do tipo ir ao cinema. A maior parte das vezes, é chato, porque, como toda a gente sabe, as miúdas só gostam é de ver filmes de gaja em que o casalinho de namorados casa no fim ou a criancinha de 6 anos morre com leucemia ou que metam violência doméstica e promessas de amor para todo o sempre. Não interessa o tema nem o enredo, o que conta mesmo é que dê para chorar no fim. Eu raramente tenho vontade de chorar com estas cenas - só chorei nas Lendas de Paixão, mas isso é porque ela se suicida e faz-me pena quando uma miúda assim gira e querida rebenta com a cabeça daquela maneira depois de cortar o cabelo.

Agora, uma pessoa, mesmo uma pessoa como eu, para conseguir tirar prazer de ir ao cinema com as miúdas, tem que usar a esperteza que tem. Já se sabe que na parte dos trailers mete-se a mão por cima do ombro; durante o genérico inicial diz-se qualquer palermice engraçada ao ouvido e, durante a primeira meia-hora de filme - que é quando a história ainda não tem interesse nenhum, do tipo a criancinha que depois vai sofrer a bom sofrer nos últimos três quartos de hora ainda vive uma infância feliz e desinteressante, repleta de elementos tipicamente americanos como a Playstation ou a manteiga de amendoim -, dizia eu que, durante a primeira meia-hora de filme, aquilo é um festival de apalpadelas num cinema perto de si. Depois as miúdas dizem sshht, pára quieto, deixa-me ver o filme, mas a melhor parte já está feita, para além de que existem sempre os "extras" depois do filme acabar, if you know what I mean.

Mas também existem outras compensações, para além do pagamento físico avulso, numa fila recôndita do Quarteto: negociando bem, dá para escolhermos um filme em cada 5 que se vai ver. Eu, pelo menos, é assim que estabeleço a minha plataforma de entendimento. Portanto, já sabem: ao fim de 4 xaropadas com Richardes Geres, Susanes Sarandones, Tomes Cruises e Russeis Crowes, vão levar com uma sessão de terror sangrento. Mas daqueles com violência e esfrangalhamento da pessoa humana, para além do suspense contínuo e da certeza de que a coisa vai acabar mal vir logo incluída no preço do bilhete. Nah, não estamos aqui a falar do chamado "terror psicológico" e muito menos dessa mariquice achinesada que é o "j-horror". Nem tão pouco daqueles intermédios, tipo Poltergeist ou mesmo O Exorcista - isso metia medo há vinte anos atrás. Estas que descrevi são coisinhas de adolescentes.

Eu gosto de coisas com pés e cabeça, tipo o Terror na Autoestrada, A Noite dos Mortos Vivos ou até mesmo O Assassino da Motosserra. Isso para mim, sim, é bom cinema. A Sétima Arte no seu esplendor - olha, o Peter Jackson, por exemplo, antes de fazer filmes para crianças, era mestre nessas coboiadas. Mas um gajo anda a fazer filmes para assustar que não metam sangue? Isso cabe na cabeça de alguém? Se é para assustar, não há que ter medo de ferir susceptibilidades: abrem-se os corpos em dois, arrancam-se as cabeças, comem-se os órgãos vitais e os anexos, esventram-se mulheres grávidas e esquartejam-se pessoas portadoras de deficiência, se for preciso. Há que ser arrojado e não ter vergonha de horrorizar. Outra coisa de que gosto num bom filme de terror é das bandas sonoras originais. Mas daquelas que são feitas de propósito para os filmes. E nisso ninguém bate o velho Carpenter, compositor incompreendido que é capaz de passar um filme inteiro a carregar em três notas dissonantes de dez em dez minutos, só para dar um tom mais pesado e modorrento à coisa. Ou então não sabe música. Mas o que é certo é que a cena resulta e assusta que se farta.

Recentemente, fiz uma destas chamadas "noites românticas" e adorei. Fui com uma miúda bem fixe, nada inibida e com uma curiosidade tremenda, pelo que a coisa dificilmente poderia ter corrido melhor. Inspirei-me tanto que até escrevi uma música dedicada a essa ida ao cinema. Chama-se Ida ao Cinema e vai assim numa onda entre o gótico e o fado, mas um fado triste, arrastado, a um tempo melancólico e peculiarmente rancoroso. Com um desejo de vingança contido, como se fosse Outono e estivesse há três dias para chover e não chovesse. De maneira a assustar só com a insinuação, mesmo no limite entre a expressão maléfica no olhar que transparece e a ameaça que fica por fazer.

Ida ao Cinema

Fomos no domingo ao Quarteto
p'ra ver filmes com terror
vestimo-nos os dois de preto
porque achámos que era melhor

assim a malta vai de acordo
com o argumento original
que deve ter sido escrito por um gordo
com uma grave disfunção hormonal

porque aquilo é só doenças
aquilo é só doenças
é a loucura total

porque aquilo é só desgraças
aquilo é só desgraças
do princípio até ao final

(refrão)
Mas eu
eu não tenho medo
destas bestas que fazem sangue e causam sofrimento
Porque eu
lá no fundo em segredo
sou apenas mais um ser horroroso em desenvolvimento

tu fingias que estavas à vontade
até àquela parte em que os olhos eram arrancados
mas para dizer a verdade
eu percebi que os teus dedos estavam suados

estavas toda encolhidinha
enroscada no meu braço direito
quando a miúda, coitadinha,
foi molestada no peito

com chicotadas diabólicas
chicotadas diabólicas
é a sangria total

com açoites violentos
açoites violentos
de maldade original

(refrão)
Mas eu
eu não tenho medo
destas bestas que fazem sangue e causam sofrimento
Porque eu
lá no fundo em segredo
sou apenas mais um ser horroroso em desenvolvimento

(bridge)
engasgaste-te com as pipocas
fiz-te respiração boca-a-bocas
cuspiste-te toda e voltaste a ti

ainda... a soluçar...
 
Comments:
Escreves bem e tens piada, guitarrista. :)))



No tempo em que eu ía ao Quarteto não se comiam pipocas ;)
 
Não me estraguem com mimos...
 
Totalmente catita!
Tipo memo.
 
:) Deixa-me adivinhar: era uma tentativa de falar com "linguajar de jovem". Nice try...
 
Iá tipo.
Mas talvez "chique a valer" seja melhor.

Curti "açoites violentos de maldade original". Memo naquela da maldade primeva e paradigmática e cenas. Muito bom.

Por acaso, detestei "Ondas de Paixão". Muita choraminguice para o meu gosto. E eu até gosto do gajo... "Kingdom Hospital", por exemplo.


(Não sei pôr itálicos.)
 
Lendas de Paixão. Não Ondas de Paixão. Lendas. Com o Brad Pitt e o Sir Anthony Hopkins e isso. Filme de gaja, mas com pinta.
 
O romantismo transparece em cada caracter tipográfico.

Estou emocionado.

*chuífe*
 
Sou um romântico por natureza...
 
Lendas de Paixão? Não conheço.
(Quando me cheira a filme de gaja, não vou ver.)
 
Isso é alguma espécie de convite, Azul?
 
[Pssst! Não me queria meter, mas acho que ela está à espera que a convides.]
 
[Estou sempre a convidá-la, ela diz que já tem outro...]
 
[Isso é treta. É só para ver se és um gajo persistente. Mulheres, sabes como é...]
 
[As mulheres têm que se mentalizar que eu sou uma personalidade famosa, praticamente do jet-set. Não ando aí a rastejar atrás das gajas. Às vezes até tenho que as mandar embora.]
 
Ai valha-me dEUS, uma truta guitas???

Duarte um órgão
 
Ando farto de sardinhas.
 
Tenho a certeza que esta (bela) canção vai fazer chorar muita miúda.. de comoção ou de medo.. não sei bem.

[os 'comments'neste blog são tão interessantes como os posts.. irresistível]

cumprimentos sr Guitarrista.
 
Very thank you. Por vocês, pelos meus fãs, eu faço meu melhor. Eu deixo a pele no palco.
 
Belhéque!
 
O que é que foi? Também tenho um interior muito bonito... Isto não é só por fora.
 
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