Querida Guitarra
Os gostos dos outros
Às vezes dou comigo a pensar
"ó Guitarrista Famoso, por que raio haverá divergência de gostos e nem toda a gente gosta daquilo que tu gostas, sendo que os teus gostos se de manifesta e inequívoca qualidade superior?". E depois, logo a seguir - porque o meu cérebro é como um furacão, só que em vez de substâncias tempestuosas tem uma carga absolutamente excepcional de neurões* -, respondo-me "porque as pessoas são esquisitas".
Mas o meu objectivo não é falar de esquisitices. Prefiro antes iluminar-vos com o meu gosto requintado - o gosto dos eleitos. Assim, aqui fica uma pequena lista de bandas e artistas de que gosto e de que não gosto. Não tratarei de justificar gosto algum, uma vez que as minhas preferências carregam, em si, a justificação para toda e qualquer dúvida.
Bandas/artistas de que eu gosto:
-Sonic Youth
-Nirvana
-Mudhoney
-Sebadoh
-Feromona
-GNR
-Beck
-Pearl Jam
-Stone Temple Pilots
-Ornatos Violeta
-Morphine
-Blind Melon
-Fugazi
-dEUS
-Millionaire
-Pixies
-Queens of the Stone-Age
-Foo Fighters
-Beatles
-System of a Down
-Jeff Buckley
-Smashing Pumpkins
-Placebo
-Zen
-Outras cenas...
Bandas/artistas de que eu não gosto:
-Deff Lepard
-Iron Maiden
-Oasis
-Mariah Carey
-Phill Colins
-Megadeath
-Toranja
-EZspecial
-Elton John
-Britney Spears
-Tina Turner
-Rod Stewart
-Paul McCartney
-Blind Zero
-Brian Adams
-Soundgarden
-Backstreet Boys
-Robbie Williams
-Blink 182
-Creed
-Linkin Park
-Three Doors Down
-Killye Minogue
-Nick Cave
-Fafá de Belém
-Tony Carreira
-Outras cenas...
*neurónios excepcionalmente grandes, fortes, ágeis, rápidos, enérgicos e espertos.
Boas notícias!!!
Numa tentativa de restaurar a normalidade deste blog digno e civilizado, pelo qual passam distintos leitores e comentadores e onde exerço com grande à-vontade, e em enormes demonstrações de talento, a magia da comunicação, tomo a liberdade de publicar uma nota de divulgação, dirigida à Querida Guitarra, dando as boas novas: os UHF gravaram um álbum e vão mesmo publicá-lo. Aqui fica o texto integral, com suaves correcções, que apenas proporcionam uma leitura aligeirada e mais fluente. Noblesse oblige...
A génese de um discoÉ normal que, o público em geral e os fãs de um grupo armado em particular, pensem que um disco novo é soberbamente planificado, discutido, pelos artistas e pelos editores, submetido à controvérsia das posições. E por vezes é, falando de nós, os UHF.Mas este “Há Rock No Cais” far-me-á sempre lombrigas e lembrar metaforicamente a esplendorosa vocação lusitana que conduziu às descobertas – lembram-se? – quando as naus partiram de um cais no intento de acertar em nova terra firme mas veio um iceberg e puf. Então, como agora, uma mãozinha por trás – destino ou karma? – impeliu o instinto dos bravos e a sua disponibilidade.O disco em gravaçãoCom isto não quero dizer – hoje escrevo-vos em nome próprio: Conceição – que “Há Rock No Cais” é produto do acaso, se acasos houvessem na vida. A partir da primeira canção gravada, “Matas-me Com O Teu Olhar”, sabíamos que estávamos a reabrir a caixa de Pandora, com tudo o que a cuja nos pode reservar.Em verdade se diga, no início de Janeiro de 2004, comecei a gravar o meu terceiro álbum a solo: vejam no que deu. Com este será exactamente o mesmo. “Há Rock No Cais” é um disco colectivo (leiam as notas da capa), desde a escrita à produção, e um disco de regresso ás guitarras, ao som brutal, simples e directo que marca os UHF. Passam 25 anos sobre a primeira edição de “Cavalos de Corrida” e do seu primo “Chico Fininho”. O rock português começou assim, a ouvir-se e a vender disco. Hoje sou inclusivamente um gajo endinheirado. Em 2005 continuamos iguais na pele e na alma – naturalmente, temos é mais bens materiais.Era para sair...... mas não saiu no dia 14 de Março. Não foi posto à venda nessa data, o que não significa quaisquer problemas internos ou de finalização do novo CD. O disco está pronto há mais de um mês, a capa está pronta, a digressão está a, a tragédia está próximaí. O meu atraso fica-se a dever exclusivamentea um acidente doméstico, durante a infância, e às negociações com duas distribuidoras que se disponibilizaram a licenciar “Há Rock No Cais”, e só. O que é muito, é o nosso futuro e o presente deste novo disco. Felizmente que na arte podemos parar a “linha de montagem”, interromper a “linha de produção” e aperfeiçoar “a obra”. É o nosso dever.Posto isto, no próximo dia 11 de Abril, “Há Rock No Cais”, como outrora as caravelas, zarpa por aí, pelo meio dos icebergs.Estejam atentos ao calendário dos concertos: contamos com o vosso apoio.António Manuel Ribeiro
"Este é um álbum mais cru e um regresso às origens, com canções de amor e outras politizadas", afirmou o vocalista do grupo e poeta, António Manuel Ribeiro.
O próximo concerto é dia 09 de Abril ás 23 horas no Rock House Café em Alenquer e a entrada custa 7,50€.
Os curiosos e fans podem desde jáouvir um sampler do novo cd em
www.uhfrock.com e estar à conversa com todos os elementos dos UHF,no dia 11 de Abril ás 22 horas, no chat do site dabanda.
http://www.uhfrock.com
O enigma de Cloud
Acreditem ou não, o surgimento de Cloud, arrastando a sua boçalidade pelos comentários deste blog, originou um fenómeno curioso: os leitores que me são mais próximos enviam-me e-mails e sms's a perguntar "quem é Cloud"? Para além disso, muito se tem conversado nos comentários da Querida Guitarra, invariavelmente para chamar nomes pouco insultuosos e banais uns aos outros, sendo que de um lado da barricada está Cloud e o seu analfabetismo, do outro lado estão "os outros", repetindo vezes sem conta que Cloud sente volúpia onde não devia.
Ora, muito se poderia dizer sobre Cloud. Porém, não perderei tempo com isso. Pelo menos, para já...
Em vez disso, publico aqui uma lista que elaborei de "gente que pode ser suspeita de ser Cloud", para o caso de eu não saber quem ele é. Segue-se a lista:
-António Manuel Ribeiro;
-Tonicha;
-Nuno Guerreiro;
-Fafá de Belém;
-Karol Woijtila;
-Rita Ribeiro;
-Aurora Cunha;
-Nilton;
-Terri Schiavo;
-Tiago Bettencourt;
-Mãe do Tiago Bettencourt;
-Gonçalo Palma;
-Bono Vox;
-Fernanda Ribeiro;
-David Geffen;
-Teresa Salgueiro.
Alguém tem um palpite? Espero que não esteja a escapar-me nome algum. De qualquer modo, se a brincadeira continuar, ver-me-ei obrigado a tomar medidas. Ou até mesmo a tomar anti-depressivos.
O Cloud é rabeta
Mas faz de conta que eu não disse nada. Antes isso que crítico do Blitz...
Crítica ao crítico
Nem sempre a relação entre músicos e críticos de música é saudável. Os motivos podem ser vários. Mas tudo assenta sobre um pressuposto: a perspectiva de cada um.
Nem sempre um crítico é bem formado. Muitas das críticas que se lêem ou ouvem não são devidamente fundamentadas. Para além da (aceitável) dificuldade que um crítico, como qualquer outro ser humano, tem em distanciar-se do criador e concentrar-se na obra criada, criando assim o espaço de manobra mental suficiente para partir para uma análise rigorosa, pertinente e imparcial do objecto, existe a falta de informação. Quantos críticos carregam - tanto pela negativa como pela positiva - sobre uma criação sem saberem bem do que se trata e o que pretende? E não falo no enquadramento da obra numa perspectiva de "elemento" de um conjunto vasto na criação de um autor ou grupo de autores. Falo na contextualização do objecto num determinado estilo ou corrente estética. Será disparatado, por exemplo, criticar os Ramones por estes fazerem músicas com apenas três acordes, melodia constante, bateria fácil, baixo estático e 2 minutos de duração. Pois se é (era...) precisamente esse o objectivo dos Ramones: canções directas, rígidas, melódicas, rápidas e cheias de enregia. Da mesma forma que será descabido criticar uma morna dizendo que a música é mole: é isso mesmo que se pretende, um som chorado e arrastado. Contudo, nem sempre os críticos levam isto em conta.
Já há algum tempo que ando para escrever sobre este assunto. Tudo por causa de um caso concreto que aconteceu há cerca de dois anos atrás, penso eu.
Os críticos também têm os seus fãs. Em Portugal, os adeptos da música celta, por exemplo, são devotos do Fernando Magalhães, do Público/Y. E os ouvintes de jazz também lhe prestam alguma atenção. É natural. Embora eu não perceba nada de música celta e entenda muito pouco de jazz, acredito que a formação e conhecimentos de Fernando Magalhães lhe permitam boas avaliações, criticas e reportagens dentros destes campos da música.
Voltando ao "há cerca de dois anos atrás", terá tido o editor de Cultura do jornal Público a muito infeliz ideia de destacar Fernando Magalhães, reconhecido especialista em sonoridades atrás mencionadas, para a cobertura do Festival Galp Energia, no falecido Estádio de Alvalade. Quem souber do que se trata, pode bem recordar o cartaz, repleto de som pesado, entre o trash e o nu-metal, com alguns picos de heavy-metal e o qualquer-coisa-metal do Marilyn Manson.
Nessa altura, Fernando Magalhães escreveu nas páginas do conceituado e "de referência" diário nacional cobras e lagartos sobre o evento. A mensão aos répteis podia até ser justificada pela localização do espectáculo. No entanto, Magalhães não pegou por aí. Preferiu antes descrever todo o ambiente como sendo "selvático e animalesco" perante um palco onde "uns zurravam, outros grunhiam". Quanto ao recinto, que esteve longe de se encontrar repleto, era "uma espécie de arena. Parecia que tinham aberto os portões do jardim zoológico".
Este episódio serve apenas - e não querendo aqui duvidar da qualidade de Fernando Magalhães enquanto jornalista e crítico de música, dentro da sua especialidade - para ilustrar a inadequação do crítico ao criticado. Aliás, segundo opiniões que ouvi de gente que assistiu ao festival em questão, assistiram-se a óptimos concertos com excelentes actuações dos artistas contratados. Ou seja, Magalhães não estava à altura do desafio. Provavelmente, a culpa nem deve ter sido dele. No entanto, exige-se de um profissional sério (e com tempo de antena...) que saiba distinguir o "eu odiei, nunca pagaria para ver isto" do "isto é uma animalidade, esta gente é toda grunha". Por vezes, não acontece assim. Às vezes o crítico é que é paraquedista e não tem bom senso. No fundo, e dando sequência à nomenclatura animalizada, faz figura de urso.
PS - Este post é dedicado ao crítico disfarçado que se tem feito notar nos comentários. Eu conheço o seu tom de escrita. Mas devia melhorar o português.
Reacções
O povo auditivo agita-se. Eis um e-mail que recebi de um leitorouvinte no seguimento de um post recente...
"Olá, Guitarrista Famoso
eu sei que tu não sabes quem eu sou ou pelo menos não aprecias muito o que eu faço mas no fundo tinha que te mandar este e-mail, só para te dizer o seguinte: a história que contaste sobre aquele concerto num festival de verão no qual caíste no palco porque te afogaste em absinto, lembrou-me que eu estava lá e assisti a tudo no meio da multidão e a agitação, deu-me uma sensação... porreira. Vibrei com o teu feeling e o da tua banda e toda a situação foi essencial para a definição da minha carreira.
No dia seguinte acordei e lembrei-me da tua bebedeira. Peguei em todo o pessoal, no Dodi e no Manel. E fomos tocar para a rua...
No fundo, desde esse dia que tudo o que eu sonho é ser como tu, uma figura decadente gigante, símbolo máximo do rock e do som e ter o mundo aos meus pés..."
(Tiago Bettencourt)
As canções de amor
"I love you baby / na-na-na..." - assim pode começar qualquer bela balada, a contar mais uma história de amor. Com azar, chegará ao nº1 dos top's nacionais, terá grande destaque nas playlist's das rádios para os jovens e será banda sonora de anúncio de telemóvel ou cerveja verde.
Eu gosto de algumas canções de amor. Porém, não compreendo a busca incessante do ser humano musical, sempre a remexer as sonordiades atrás de mais uma maneira de cantar o amor. E eu pergunto: haverá mais alguma maneira nova de dar melodia a esse estado apático-anárquico que é estar apaixonado? E pergunto mais: conseguirá um apaixonado, no seu estado apático-anárquico, compor uma canção com pés e cabeça?
As melhores canções de amor são aquelas que doem. E essas tais que doem não dizem "I love you baby". Quanto muito, dizem "I loved you baby". São aquelas feitas de memórias dolorosas que vão despertando num gesto sincronizado com o levantamento do estado de paixão. Uma vez desapaixonado, o ser humano ressaca. Existe uma mágoa que se arrasta rente ao estômago. Não sendo fígado - e até pode ser, cada um mata a tristeza como pode... -, deverá ser vazio. Uma boa canção de amor preenche com palavras e notas o vazio que ficou.
O amor que se sente dificilmente pode ser reproduzido, mesmo que de uma forma artística. Ainda assim, não ponho de parte esta possibilidade. Pode haver gente que, no seu romantismo, e mesmo durante a paixão, consiga inspirar-se e transformar a emoção sentida em música que venha a sentir-se. Contudo, creio que, na maior parte dos casos, as músicas de amor que se escrevem nessas alturas são erros. Deve-se esperar pelo ódio, pela perda, pelo abandono, pelo rancor, pela vingança. Escrever uma canção de amor a frio não é um contracenso, é antes um acto de bom senso! Por exemplo, uma das melhores músicas de amor de todos os tempos é o "I Used to Love Her", dos Guns 'n' Roses. Sendo básica, conta uma história como deve ser. E, mesmo não sendo de amor entre duas pessoas (a personagem morta não é identificada e o agente da acção supõe-se que seja o Axl Rose), tem o seu quê de paixoneta que deu em fogacho e acabou mal. É natural. E é honesta.
A boa canção de amor não tem um final feliz. Por exemplo, o Roy Obinson canta canções muito engraçadas, mas vazias de conteúdo. Ouça-se o Pretty Woman. A boa canção de amor exige reflexão, não pode surgir de um acto espontâneo do tipo "ai, estou tão apaixonado, vou fazer uma cantiga para a minha amada". Não. Vejam no que resulta: João Pedro Pais, Anjos, Oasis, Bon Jovi, por aí fora, até chegar ao José Malhoa.
Mas, admito, também há o outro lado da questão: existem canções de amor escritas depois do affair que resultam muito mal. Vêm doridas mas dói muito mais termos que as ouvir. De repente e sem grande esforço, lembro-me do Rui Veloso: "Tu eras aquela / que eu mais queria / p'ra me dar algum conforto / e companhia / era só contigo que eu / sonhava andar / e até talvez quem sabe um dia / poder casar / ai, o que eu passei / só por te amar..."
A canção de amor padece de muitos males. Um deles é o próprio amor, como já vimos; outro é o Rui Veloso, e também isto já foi documentado. No entanto, acrescento mais um: a dificuldade de inovar. Que nova melodia pode sustentar uma canção de amor? Eu, que sou um criador vanguardista, inovador, experimentador, temo a canção de amor. Contudo, e como prova de que me disponho a arriscar e tenho uma mente aberta, escrevi uma bela letra de amor. Estou a trabalhar na melodia, mas, para já, fiquem com a ideia do que deve constar do lirismo-amoroso-cançonetista:
"Fogo Posto
no tempo em que eu vivia
em permanente tentação
teu peito não correspondia
pois não tinhas coração
ou melhor, tinhas
mas este não era teu
era fruto de um transplante
de outro que era de um gajo qualquer que teve um acidente de mota e morreu
e eu ficava triste aos montes
tu só me causavas desgosto
por isso te dei um tiro nas fontes
e fui a origem do fogo posto
em que ardeste em lume agreste
na tua casa à beira-mar
com labaredas azul-celeste
que ainda me deixam a pensar
será que tu quinaste logo
assim que eu te espetei o tiro
ou será que ainda respiravas?
Isso não seria muito giro.
As queimaduras doem muito
mas tu também me fizeste sofrer
Amélia, como eu gostava de ti
embora não fosses grande mulher
eras um bocado larga de ancas
e parece-me que tinhas celulite
embora fosses simpática
respiravas mal, era da bronquite
mas eu amava-te mesmo assim
com toda a tua imperfeição
e ainda hoje, quase duas semanas depois do fim
da nossa bonita relação
eu te amo
eu te amo
eu te amo"
Músicos freak
Vanessa Mae ensaia em frente ao espelho. Esteve de férias em Porto Galinhas e ficou com um grande bronze. Roubaram-lhe a carteira e um relógio da Timex.
Músicos freak
Janita Salomé compra uma balalaica e põe o fato de domingo. De certeza que vai à igreja. "Janita, olhó passarinho!" E ele ri-se. "Olha, já sei fazer um sol com travessão". "Tipo s-ol?" "Não, assim ó". E exemplifica com mestria, sem desfazer o sorriso tolo. "Essa viola é um bocado esquisita". "Diz que é uma balalaica". "Ah".
O dinheiro de volta!
As primeiras notas soaram, mas não devem ter soado bem. "Vê lá se tocas essa merda como deve ser", quem o disse foi o baixista. A seguir, apagaram-se as luzes, o público, o dia. As tábuas do palco acolheram-me com um estranho conforto: o corpo desistira. Ao fundo, muito, muito longe, ouvia um estranho feedback em descontrolo. Penso que desmaiei.
O mal do Alentejo é este: o tempo passa muito devagar; o vinho tinto escorrega muito depressa. A primeira imagem que tenho é a do baixista, com uma expressão deveras furiosa, a olhar-me de cima. O baterista, mais humano e preocupado, ia molhando a minha testa com água fresca. "Onde é que estou?" "Foda-se!..." Exclamou o baixista, num misto de desalento, fúria e paternalismo. Voltou as costas e saiu. "Vá lá, pá, acorda. O público está à nossa espera." Lá fora ecoavam gritos da multidão "Men-te-cap-tos! Men-te-cap-tos!" fundidos com alguns assobios e vozes soltas, estas mais raras, reclamando "chulos! Eu paguei bilhete!" "O concerto já começou?" perguntei, atordoado, tentando levantar-me do sofá. "Man, estes camarins são à maneira..." E eram mesmo. É a vantagem de se ser cabeça de cartaz num festival de verão: pode-se fazer exigências. "Foste tu que pediste os sofás..." "Eu?!..." Levantei-me, cambaleei com dois passos à rectaguarda. "Da-sssssssse... isto 'tá mau..."
Subi os três degraus, surgi no palco, de frente para aquele exército expectante. Um foco inconveniente bateu-me no rosto, como se o molhasse com água muito quente. "Puta que pariu... desvia essa merda p'ra lá...." A multidão ruidosa bramiu um "eeeeeeeeehhhhhhhhhhhhhhhh". Senti-me arrepiar, acho que sorri. O baixista aproximou-se "não fodas tudo outra vez" e deu-me uma palmada nas costas. Carreguei no pedal e a guitarra rugiu com violência "quando o mundo / não te vira as costas..." e o público entoou, vibrante. Com esforço, fui recordando a letra. Algumas partes que não consegui recuperar da memória toldada disfarcei com "uargh-uargh-uargh..." Mas já tudo estava incendiado. No solo, atirei-me ao amplificador, deixei-me cair de joelhos e levei a distorção ao cúmulo da incerteza. Delírio completo. Ao fim da primeira música, o povo parecia rendido. E a minha cabeça parecia espremida, pesada e vazia, ao mesmo tempo. Senti-me cansado, muito cansado. Não conseguia lembrar-me de nada. "Vá lá, caralho, 'tás parvo ou quê?" era o baixista, novamente. Arrancámos para a segunda, mas a música coxeava...
No final, tivemos direito a encore. Ou, melhor, o público pediu encore. Mas, por essa altura, já eu tinha a cabeça debaixo de uma torneira de água fria. "Foda-se, fizeste tudo para arruinar isto, pá..." disse o baterista, enquanto ele próprio se refrescava. "Vai-me buscar uma cerveja, antes que eu comece a ressacar... Se fazes favor."
Desabafo pessoal e um bocado íntimo
Procurei descanso. A verdade é que o dia-a-dia ruidoso e movimentado desgasta as pessoas e eu não sou excepção. No entanto, há coisas que se tornam parte de uma pessoa sem que alguém as possa controlar. Uma guitarra, por exemplo. A minha guitarra é aquela extremidade da mão que não consigo amputar com o corta-unhas. Conseguirá um músico arrumar-se, como um par de cabos, desmontar-se, como uma bateria? Um músico não é um instrumento. Vai de férias, deixa a guitarra em casa. Mas o mundo é um sítio com muitas outras guitarras e a possibilidade de experimentação faz com que a curiosidade se torne uma besta imparável. Questões impertinentes, como "será que esta guitarra tem um som fixe?", surgem em catadupa, mesmo que o instrumento em questão seja a mais banal stratocaster da Fender. Todas as outras guitarras - as que não são minhas - são novos corpos a explorar. Sítios onde eu nunca pousei os dedos, contornos que eu nunca toquei, transformam-se subitamente em objectos carnais, sedutores. A minha sexualidade é uma cena um bocado esquisita.
Informação geográfica
Há coisas que não são fáceis de explicar. Por vezes, quando uma pessoa nos pede uma indicação acerca da localização de determinado sítio, deparamo-nos com a dificuldade em simplificar. Desta vez, e visto que ninguém me está a pedir qualquer indicação, vou ser sintético:
-suponho que saibam onde fica a Ericeira. Quem vai do Cabo da Roca para o Cabo Carvoeiro e vice-versa, sempre rente ao mar mas sem molhar os pés, mais cedo ou mais tarde é obrigado a passar pela Ericeira. Temos portanto o ponto de partida: a Ericeira.
-Estando na Ericeira, é fácil perceber que a vila é atravessada por uma estra nacional com dois sentidos: Norte e Sul. Tomemos-lhe o rumo Norte: da Ericeira em direcção à Galiza.
-Percorridos alguns quilómetros - digamos quatro, mais ou menos -, chegamos a Ribamar. Continuemos, sempre pela estrada nacional, rumo ao Norte.
-Percorram-se mais dois quilómetros, suponho, chegamos a S. Lourenço. Não se pare por aqui. Mais 300 metros (mais coisa menos coisa), sempre em direcção a Norte, encontra-se uma indicação do lado direito da estrada nacional (do lado esquerdo fica o mar...): "Casais de S. Lourenço". É enveredar por este caminho.
-Percorram-se mais ou menos 70 metros (não chega a um campo de futebol 11, exceptuando o antigo do Gil Vicente). Do lado esquerdo encontra-se uma vivenda, com um pequeno parque de estacionamento.
-Chegámos! O sítio chama-se
Piano Bar - Estação Maria Fumaça. É aqui que os Feromona dão o seu próximo concerto no sábado, dia 12, às 23h00.
Melhor diálogo do fim-de-semana
Aproveitando para reviver tempos de uma adolescência fugaz e que poucas memórias me deixou, decidi pegar na guitarra acústica e juntar-me a uma das filas de Lisboa para comprar bilhetes dos U2. Eu não quero comprar bilhetes dos U2. Mas já tinha saudades de passar uma noite ao relento, sentado num passeio, a beber cerveja quente e a fumar. Para além da conversa, dos conhecimentos que se fazem e das belas guitarradas que se tocam. Eu toco, pelo menos.
Entre duas canções, ambas da minha autoria, que interpretei com profissionalismo e sentimento, uma miúda, dos seus dezoito anos, cabelos castanhos, compridos e bom aspecto, meteu conversa comigo.
(Miúda): Eu conheço a tua cara, não conheço?
(Eu): Pois... isso é uma boa pergunta. Mas fazia mais sentido se fosse eu a perguntar-te "conheces a minha cara, não conheces?" Mais facilmente chegaríamos a uma conclusão. Assim, tudo o que posso fazer é especular. Digamos que eu acredito que conheces...
(Miúda): Oh, deixa-te de merdas. Acho que conheço. Já apareceste na televisão?
(Eu): Sim.
(Miúda): E?...
(Eu): Foi fixe. Era apertado e coiso...
(Miúda): Ah ah ah ah... és tão giro, pá...
(Eu, sorridente, ar de galã, conquistador do mulherio global): Yá... tenho os meus dias.
(Miúda): Diz-me, és tu o
Guitarrista Famoso, não és? Já vi um concerto teu, no Rivoli, no Porto... Com os Metecapto Incorrecto. Tenho a certeza que és tu...
(Eu, surpreendido): O mentecapto?
(Miúda): Ah ah ah ah ah... oh, pá... és tão querido e tão fofo...
(Pausa. Olhámo-nos nos olhos com uma paixão violenta. E eu também já tinha os olhos vidrados por causa do... da... do frio. Ela avançou para mim. Eu interrompi o momento.)
(Eu): És fã dos U2?
(Miúda): Não. Mas vi na televisão que havia buereré de povo aí, p'a ver se orientava bilhetes. Por isso deve ser um concerto fixe. Então eu quero ir ver. Também fui ao Rock in Rio, ver aquele... o Sting. 'Tava bué de gente.
(Eu): E os teus amigos? São fãs de U2?
(Miúda): Não sei. Nunca falamos muito sobre música... A nossa onda é mais outra cena.
(Eu): Ah...
(Miúda): Aliás, eu até acho que aqui quase ninguém curte muito o Mark Knopfler e isso... é mais naquela 'ah, a malta vai e coiso...' e curte-se.
(Eu, confuso): O Mark Knopfler?!
(Miúda, pedagogicamente): Da-ah... o vocalista, man.
(Uma pausa. A sério, tenho que parar de escrever isto e beber um café. Não sei como é que hei-de continuar o diálogo. Esta gaja é surreal.)
(Eu, intrigado): E vocês vieram aqui passar a noite ao relento só porque é fixe... mesmo que não curtam... o 'vocalista'...
(Miúda): Nope.
(ela a mexer no tereré, com ar de colegial) Viemos cá passar duas noites.
(E fez assim com os dedos: "duas!").
("Mark Knopfler", em concerto dos U2)
(Peguei na guitarra e cantei uma canção. Fiz uma introdução para o povo, em geral, e para a miúda, em particular.)
"Malta, agora vou tocar uma cena. É assim numa onda meio The Cure
(fizeram uma cara estranha). Mas soa bem, não se ralem.
(A maior parte virou-se para o outro lado no saco-cama. Alguns foram dando atenção, entre dois goles de cerveja morta de lata, de garrafa ou de uma mistela de cheiro curioso dentro de uma garrafa translúcida que outrora levara água tónica da Schweppes.) Cá vai. Chama-se 'Microcefalia' e gostava de a dedicar à - como é que te chamas? - "Carolina". Carolina? Como a do Mónaco? "... yá... errr..." Boa. E também para o resto de vocês, fãs dos U2 e do Knopfler... "Isto é p'a U2?"
(perguntou um gordo com uma t-shirt de Craddle of Filth enquanto mijava ao lado de uma caixa de electricidade. Salpicou os ténis.) "Da-se!... sou muita urso"
(E foi-se embora, com os ténis salpicados.)"
Amigos
eu tenho alguns amigos
pessoal com dificuldade
na musculatura pensamental
amigos
mas também tenho inimigos
com a mesma dificuldade
e que de um modo geral
são como amebas fumegantes
têm ideias errantes
e nunca conseguem obter
pensamentos pertinentes
pois seus neurónios deficientes
não sinapsam... eeehhhhrrrrrr
Amigos
eu tenho uns quantos amigos
com microcefalia total
e massa cinzenta anormal
Amigos
mas também tenho inimigos
por quem desnutro simpatia
e a quem dedico esta melodia
são como amebas fumegantes
têm ideias errantes
e nunca conseguem obter
pensamentos pertinentes
pois seus neurónios deficientes
não sinapsam... eeehhhhrrrrrr
"Então, pessoal? Com'é que é?
(a Carolina sorriu, embevecida: "achas mesmo que sou como uma ameba?" terá pensado. "És tão querido e tão fofo..." O mundo está cheio de gente estranha. Cuidado com as filas para os bilhetes dos U2.)